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  • Chuvas e inundações na Ásia: O efeito das mudanças climáticas
    As fortes chuvas que afectaram recentemente vários países da Ásia provocaram inundações devastadoras e causaram mais de 1.800 mortos. A Indonésia, o Sri Lanka e a Tailândia estão entre os países mais fustigados. Cientistas afirmam que as tempestades estão a intensificar-se devido às alterações climáticas, que aquecem a atmosfera e aumentam a capacidade de reter humidade. Francisco Ferreira, presidente da organização ambientalista Zero, explica o fenómeno e alerta ainda que a diferença de temperatura entre o Equador e os Pólos está a diminuir, o que faz com que as tempestades se desloquem de forma mais lenta, intensificando, por consequência, a quantidade de precipitação. As chuvas extremas que fustigam a Ásia são o resultado das alterações climáticas? Sem dúvida que sim. Nós estamos a ter a resposta não apenas na Ásia, onde talvez seja mais visível percebermos as consequências, porque, efectivamente, os efeitos destes eventos meteorológicos extremos acabam por ser mais visíveis e ter maior expressão. Mas o que é facto é que, se temos um clima mais quente, temos uma maior evaporação e também a atmosfera retém mais água, que depois acaba por cair sobre as zonas afectadas em grandes tempestades. E há uma outra circunstância muito importante que também se tem vindo a verificar, quer no caso das tempestades na Ásia, quer também noutros locais. É que a diferença de temperaturas entre o Equador e os pólos está a ser menor, porque os pólos estão a aquecer mais. E, portanto, à escala global, a dinâmica da atmosfera está a ser afectada na medida em que as tempestades se deslocam de forma mais lenta. Isso leva a que a quantidade de precipitação de chuva que cai numa mesma zona seja muito mais significativa do que era antes. Esta é outra consequência da desregulação climática? Sem dúvida alguma. Ou seja, o facto de termos um aquecimento global, mas que está a ter maior expressão, quer no Árctico, quer na Antárctida, está a fazer com que estas tempestades tenham realmente um impacto maior. A diferença de temperaturas em relação ao Equador está a ser menor e, portanto, os movimentos atmosféricos estão mais lentos. A desflorestação pode estar também na origem das cheias mortais na Ásia? Claro! Há aqui duas componentes muito importantes. Uma é a ocorrência de enormes precipitações num curto espaço de tempo, e aí tem a ver com o clima. Mas os efeitos podem ser muito potenciados de acordo com o ordenamento do território em cada um dos locais. E sabemos que, com o aumento muito grande da população na Ásia, a construção tem vindo a ocorrer em locais onde o deslizamento de terras, que é uma das consequências que está a ter maior expressão, pode acontecer mais facilmente. O deslizamento de terras também tem a ver com a desflorestação que ocorre nas zonas próximas, onde a água deixa de se infiltrar e escorre a grande velocidade, levando ao arrastamento de terras. E, obviamente, também afecta as casas das pessoas que não estão em locais de construção mais adequados. A resposta pode passar pelo reforço dos sistemas de drenagem e protecção de margens dos rios ou infra-estruturas mais resilientes? Acima de tudo, a resposta está a dois níveis. Por um lado, a resposta do ponto de vista de reduzirmos as emissões para evitarmos alterações climáticas que, infelizmente, são cada vez mais expressivas, porque estamos num aumento de temperatura de dois graus e meio em relação à era pré-industrial. Depois, do ponto de vista do ordenamento do território, é muito importante criarmos soluções com base na natureza, sem agravarmos ou irmos contra aquilo que é a dinâmica dessa própria natureza. É evidente que, em locais onde não temos os recursos financeiros ou a capacidade técnica para o fazer, continuaremos a estar cada vez mais vulneráveis, como acontece em muitas cidades asiáticas. As notícias sobre estes fenómenos falam sempre na importância do reforço dos sistemas de alerta precoce, de transferência de tecnologia e de conhecimento entre os países. Há fenómenos climáticos nos Estados Unidos idênticos, mas que não provocam o mesmo número de mortos. Provocam menos vítimas. Porque é que não se usa esta tecnologia de traçar a rota das tempestades, dos ciclones, tufões? Porque razão não se partilha esta tecnologia para beneficiar outros países? O problema está exactamente na transferência de recursos financeiros entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Claro que é isso que deveríamos fazer. Claro que é absolutamente crucial que, quando falamos que são necessários uns 3 biliões, em inglês, falamos, aliás, de triliões de dólares por ano dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, é precisamente para permitir, em grande parte, investimentos na adaptação a um clima que está em mudança, para evitar estes prejuízos. Mesmo nos Estados Unidos, temos prejuízos muito avultados, mas eles têm a capacidade económica para ultrapassar essas situações, o que não acontece em muitos países da Ásia. Esssa partilha de conhecimento, de fundos, chamaríamos uma transição justa? E isso seria uma transição justa, porque realmente muitos destes países [não têm capacidade de resposta]… Podemos pegar, por exemplo, nas Filipinas. Noutros. Mas as Filipinas têm sido um dos casos em que as tempestades de maior expressão têm tido impactos ao longo dos últimos anos. E o que é facto é que precisamos, por um lado, que a economia passe do uso dos combustíveis fósseis para fontes renováveis, do ponto de vista das emissões. E, por outro lado, também que haja essa capacidade de adaptação. E os responsáveis pelas alterações climáticas não são estes países, são os países desenvolvidos que usufruíram durante muitos anos da queima de carvão, petróleo e gás natural. Agora, deveriam transferir esses benefícios conseguidos na sua economia para estes países. Relativamente às Filipinas, há uma questão que é recorrente, que tem a ver com o facto de a extracção de areias colocar o país numa situação mais vulnerável face a estes fenómenos climáticos extremos. Há muitas práticas desadequadas em países em desenvolvimento. Por exemplo, a floresta da Indonésia tem sido completamente devastada à custa da poluição da plantação para a produção de óleo de palma e, obviamente, isso leva a uma erosão enorme. Temos visto isso também em várias florestas tropicais, quer em África, quer no Brasil, com a queima também de florestas. Portanto, há realmente práticas que deveriam ser evitadas. Mas, para isso, também, mais uma vez, é preciso o apoio económico dos países desenvolvidos para que não seja esse o caminho. E os países que têm de desenvolver a sua economia têm vindo a traçar alternativas mais sustentáveis.
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  • Fazendeiros registam “aumento de 40%, 60% das plantações”, João N´vula Agritech angolana Kilunga
    O futuro da agricultura está cada vez mais ligado às novas tecnologias. Em Angola, um dos exemplos é dado pela Kilunga. A Agritech angolana utiliza imagens de satélite e modelos de IA para monitorizar a saúde das culturas em tempo real e combina isso com ferramentas integradas de gestão agrícola, financeira e operacional que permitem a tomada de decisões agrícolas sustentáveis e baseadas em dados. A empresa de tecnologia agricola ajuda os agricultores a tomarem decisões e a melhorarem a produtividade  de forma sustentável. O fundador e CEO da Startup, João N’vula, esteve recentemente em Portugal, na Websummit, a RFI aproveitou a ocasião para descobrir mais sobre o funcionamento de uma empresa como a Kilunga. Nós usamos satélites europeus para ajudar fazendeiros em Angola e agora estamos a expandir para a África, no geral, com a nossa parceria que temos com o Corredor do Lubito. O Corredor do Lobito é um dos corredores logísticos mais importantes de África neste momento. Está a expandir essa importância a nível mundial, inclusive a China, os Estados Unidos e os Emirados também estão com investimento pesado no Corredor do Lobito. E nós estamos lá para digitalizar as fazendas ao longo daquele corredor e expandir as nossas operações lá. O que é que um agricultor que adquira os vossos serviços vai poder ter? O agricultor que adquira os nossos serviços vai poder ter o controle da sua própria fazenda. Isso a nível espacial, a nível financeiro e não vai precisar perder muito tempo naquilo que é a gestão da própria actividade, porque terá tudo num único lugar, tanto a gestão financeira, a gestão de equipa, a gestão de tarefas, o cálculo automático dos custos e consegue ter toda aquela análise, todos aqueles indicadores financeiros que vão lhe ajudar a entender a saúde técnica e também, realmente, financeira da própria fazenda. Então, é isso que nós propomos a ele, rapidez na tomada de decisão e praticidade na visualização dos dados. Quem está no terreno, quem vai fazer o plantio ou a colheita, qual é o tipo de informação que pode recolher? Se vai fazer o plantio, ele vai precisar de dados climáticos. Esses dados climáticos vão-lhe dar quando é que vai chover e fazer o melhor planeamento. Para fazer o melhor planeamento, ele vai precisar cadastrar o talhão, na plataforma ele delimita o talhão. É como se ele estivesse fisicamente a arar a terra, fazer o tratamento e plantar as sementes. Ele faz o registo online, delimita a terra e dá o nome ao talhão, a geo-referência do talhão e as descrições do que vai ser feito aqui no talhão. Depois, vai para a parte do plantio, que está também na plataforma, e aí consegue escolher o talhão, escolher os insumos que vão estar no talhão, que vão estar naquele talhão, e também a data em que o talhão vai ser usado para o plantio. Aí ele consegue automaticamente, com base nesses dados, saber quanto é que ele vai gastar, e por aí já sabe quanto ele vai vender cada produto de maneira a ter o devido rendimento. Há doenças, há pragas, há teor de humidade no solo, … . Em que é que a vossa aplicação pode ajudar o agricultor, as cooperativas?   A plataforma, por oferecer imagens de satélites, vamos lá desmistificar esse ponto... : Quando uma planta está de boa saúde, ela reflecte a luz do solo de uma certa maneira quando está saudável, então, o satélite, ao captar essas imagens, capta aquilo em quatro bandas do espectro eletromagnético, e infelizmente os nossos olhos não conseguem observar, mas o computador observa e o nosso algoritmo pega aquelas bandas e calcula. Assim consegue dar essas informações do índice de vegetação daquela zona e o índice de humidade daquela zona. Ele consegue saber, pelo índice de vegetação, consegue saber se a plantação está boa, onde está boa e onde está má e onde tem humidade ou não tem humidade, onde está completamente seco. Essas informações são cruciais para o monitoramento da fazenda e proporcionar uma actividade mais profissional e realmente mais comercial, porque vai poder ter a capacidade de produzir mais ainda e com mais qualidade.   A partir do momento da recolha até à distribuição, qual é o papel da vossa aplicação?   Os nossos clientes relatam um aumento de 40%, 60% das suas plantações. Então, nós observamos que eles estavam a ter um aumento, mas aí têm que vender a uma velocidade muito grande, porque senão os produtos acabam por estragar. E nós observamos, agora, um outro mercado aí e começamos agora a criar postos logísticos inteligentes para a stocagem (armazenamento) de produtos agrícolas. O que acontecia? Eles têm a necessidade de vender aquilo muito rápido, os escoadores cobravam muito caro, de acordo com a necessidade do cliente. Mas, já com um posto logístico inteligente, ele pode controlar tudo a partir da plataforma, ele tem a possibilidade e tem o tempo de esperar por propostas melhores, para negociar propostas melhores. Então, nós não temos carros para escoar, mas nós oferecemos a possibilidade de estocar. Por isso é que estamos entrando, também, no corredor do Lobito.   Como é que está a ser a aceitação?   Ainda é um problema, por isso é que nós estamos a investir, a levantar capital também para investir pesado na formação. Antes de vir cá, para Portugal, eu estava atrás de uma parceria com Universidade Mandume ya Ndemufayo (UMN)  , uma universidade agrária, e também com alguns centros de formação que são especializados em cursos agrários, de tal maneira a ajudar as pessoas a entender a importância desses dados, a importância de trabalhar com informação precisa de maneiras a melhorar as suas actividades. Então, a literacia ainda é um problema. Tem zonas que nem telemóvel usam, quando usam a rede é escassa. Então, é um problema. Inclusive, eu já pude contribuir com o Governo participando da Estratégia Nacional de Inclusão Financeira. Também falando em inclusão financeira, estamos a envolver o digital. Então, tínhamos que pensar também na distribuição das redes e muito mais, como é que a informação chegaria até lá. Com a minha experiência de campo, com o projeto, já pude contribuir naquela área. E aí o Governo também está a começar a olhar nesse ponto e tentamos tratar aqui da digitalização que vai facilitar também a nossa entrada no mercado.   A nível de área, qual é a área que já tem ao vosso cuidado? Quimbele, agora também estamos, Benguela, Lobito, exatamente, e estamos agora também no Cuanza Norte. São um total de 7 mil hectares. O Lobito estamos a entrar agora e pretendemos já atacar as fazendas que estão ao longo do corredor Lobito. Estiveram presentes na Web Summit, foi importante a vossa presença? Muito importante. Tivemos contacto com investidores internacionais, temos contacto com empresas e empreendedores que realmente podem agregar valor às nossas empresas. Consegui firmar uma parceria que vai levar a nossa solução para um outro nível, vai ajudar com que os nossos fazendeiros tenham portas abertas para o globo, venderem os seus produtos numa única plataforma e também importarem produtos sem múltiplas fontes. Numa única fonte conseguem importar os seus produtos sem ter necessidade de importar de vários pontos e perder a qualidade. Então, se temos um único ponto, onde eles podem confiar. Eles podem, simplesmente, entrar em contacto com aqueles que eles precisam. É, realmente, uma mais-valia para os nossos clientes e também para nós, porque estamos aqui a dar múltiplas oportunidades aos nossos clientes. Então, foi muito, muito, muito importante a nossa presença cá.
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  • COP30 encerra sem plano para abandonar as energias fósseis
    A COP30 encerrou, neste sábado, 22 de Novembro, com um acordo modesto sobre a acção climática e sem plano para abandonar as energias fósseis. O Brasil, que acolheu a cimeira do clima em plena Amazónia, esperava mostrar que a cooperação climática não estava morta e “infligir uma nova derrota aos negacionistas”, como prometeu o presidente basileiro José Inácio Lula da Silva no início da conferência, mas não conseguiu convencer os países petrolíferos do Norte e do Sul, nem as economias emergentes, a enviarem uma mensagem colectiva ambiciosa para acelerar o abandono das energias fósseis. O texto adoptado por consenso pelos 194 países membros do Acordo de Paris e pela União Europeia faz apenas uma referência não explícita à saída das energias fósseis, recordando a decisão da COP28 no Dubai, Emirados Árabes Unidos.  Os países em desenvolvimento obtiveram um apelo para triplicar a ajuda financeira destinada à adaptação a um clima mais violento até 2035. “Não vencemos em todas as frentes, mas obtivemos o triplo dos financiamentos para a adaptação até 2035. Era a nossa prioridade, tínhamo-la estabelecido como linha vermelha”, declarou Evans Njewa, representante do grupo dos 44 países menos avançados do mundo. O presidente brasileiro da COP30, André Corrêa do Lago, anunciou entretanto a intenção de lançar uma iniciativa própria sobre o abandono gradual das energias fósseis, bem como outra contra a desflorestação, para os países voluntários. Todavia, não se trata de uma decisão geral dos países da COP. Acho que uma das grandes coisas que vai nos animar nos próximos meses vai ser esse exercício de desenvolver um mapa do caminho sobre a redução da dependência de combustíveis fósseis e também de como é que nós vamos acelerar o combate ao desmatamento. A presidente da delegação do Parlamento Europeu à 30.ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, Lídia Pereira, saudou o acordo alcançado, sublinhou que a "Europa conseguiu garantir avanços concretos e evitou um não-acordo, que seria desastroso para o clima e para o multilateralismo a nível global". A União Europeia voltou a enfrentar um bloco muito coeso, os BRICS, o grupo do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e, também, dos países árabes e, ao mesmo tempo, uma presidência brasileira pouco diligente em propor ou aceitar novas propostas em particular na área da mitigação, ou seja, nos compromissos de redução das emissões de gases com efeito de estufa. Que, aliás, foi sempre a nossa prioridade número um. Apesar de tudo, a União Europeia conseguiu alguns resultados importantes. Por exemplo, no pilar da mitigação houve finalmente um reconhecimento claro do défice que existe entre aquilo que está prometido e acordado e o que é realmente necessário para manter 1,5°C, dentro do quadro do Acordo de Paris. O texto final inclui uma referência ao Consenso dos Emirados Árabes Unidos da COP28, no Dubai. Foi também lançada uma iniciativa bilateral para a transição no abandono dos combustíveis fósseis. Não é a solução ideal. Não é aquilo que pretendíamos, mas é um passo relevante no pilar da adaptação. O financiamento fica protegido dentro daquilo que foi definido nas COP’s anteriores. E há uma novidade é que os países recomendaram, pelo menos, triplicar o financiamento até 2035.  ONG ambientalistas denunciaram a ausência de um roteiro concreto para a saída dos combustíveis fósseis, “mais uma vez continuou a falhar o essencial”, referem as ong’s portuguesas Zero, Oikos e FEC - Fundação Fé e Cooperação. Francisco Ferreira, presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, sublinha que a conferência ficou “muito aquém daquilo que aqui se esperava”. Esta era, supostamente, a COP da verdade e da implementação. E no que diz respeito à verdade, continuamos, infelizmente, numa trajectória de aquecimento de 2,5°C em relação à era pré-industrial.  No que respeita à implementação, aí é talvez a maior desilusão, porque a queima de combustíveis fósseis - onde está a principal responsabilidade pelo aquecimento da atmosfera - e  daqui tinha que sair um roteiro, que agora é apenas uma promessa fora da convenção por parte da presidência brasileira para os próximos meses. Quando a mitigação é crucial para garantir que alteramos esta trajectória de aquecimento, esta conferência está longe realmente da acção da implementação prometida.  Como balanço final feito pela ZERO, Oikos e FEC, termos aqui, em Belém, conseguido aprovar textos e o Mutirão, o grande documento-chave com um conjunto de linhas orientadoras, nomeadamente um acelerador global de implementação, são avanços, mas esta COP30 falhou naquilo que era essencial.  Acabou por valer a pena, sem dúvida, mas é sempre triste chegarmos ao fim e percebermos que as necessidades do planeta e dos compromissos, principalmente dos países desenvolvidos, ficaram muito aquém daquilo que aqui se esperava. A Amnistia Internacional acusa os líderes mundiais de serem “incapazes de colocar as pessoas à frente dos lucros”. André Julião, Coordenador Editorial e Assessor de Imprensa da Amnistia Internacional Portugal mostra-se ainda chocado com a presença e participação dos lobistas do sector petrolífero no encontro.  Houve aqui questões que ficaram muito abaixo das expectativas. Desde logo, porque os líderes da COP30 não conseguiram chegar a um acordo para colocar as pessoas acima dos lucros. Houve uma enorme falta de unidade, responsabilidade e transparência. Isso prejudicou a implementação de medidas climáticas urgentes. A principal decisão da COP30 evitou qualquer menção aos combustíveis fósseis, que são, como se sabe, o principal motor das alterações climáticas. Como agravante, houve um número recorde de lobistas de combustíveis fósseis. Esses lobistas tiveram acesso às negociações, nomeadamente através dos Estados que os representam e, portanto, deixaram a humanidade à mercê das consequências mortais dos seus planos de continuar a expansão dos combustíveis fósseis.  O Brasil, porém, cumpriu a palavra: a sua COP30  foi a COP “dos povos”. Dezenas de milhares de militantes do clima, indígenas, sindicalistas e outros simpatizantes manifestaram-se pacificamente nas ruas de Belém. A sociedade civil não o fazia desde Glasgow, em 2021.
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  • COP30: O papel da educação ambiental e das comunidades no combate à crise climática
    Arrancou esta segunda-feira a segunda e última semana da COP30, Cimeira das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, que decorre em Belém do Pará, Brasil, em plena Amazónia. Miguel de Barros, director da ONG guineense Tiniguena, sublinha que “apesar de 26% do território guineense serem áreas protegidas", o país "continua sem mecanismos de detecção, sem tecnologia para mitigação ou adaptação e altamente vulnerável”. Arrancou esta segunda-feira a segunda e última semana da COP30, Cimeira das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, que decorre em Belém do Pará, Brasil, em plena Amazónia. Em cima da mesa, continua a falta de ambição das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) e o financiamento climático. Entre os participantes, e longe da campanha eleitoral para as eleições gerais da Guiné-Bissau, está Miguel de Barros, director da ONG guineense Tiniguena, que sublinha que “apesar de 26% do território guineense serem áreas protegidas, [o país] continua sem mecanismos de detecção, sem tecnologia para mitigação ou adaptação e altamente vulnerável” às consequências do aquecimento global do planeta. Segundo Miguel de Barros, a primeira semana da COP30 foi marcada por “forte expectativa” após o discurso de Lula da Silva, que anunciou um novo mecanismo de financiamento directo para comunidades que preservam florestas tropicais. Uma “grande novidade”, afirma, por permitir que o acesso aos fundos seja feito pelos próprios beneficiários, e não apenas por doadores. O sociólogo sublinhou, ainda, que os protestos dos povos indígenas, junto à Zona Azul, onde decorrem as negociações oficiais, que reclamavam mais representatividade no processo, acabou por alertar para os “riscos de falta de legitimidade” das decisões. Esta contestação, veio somar-se à Marcha da Cúpula dos Povos, que reuniu milhares de pessoas e entregou à presidência da COP30 uma declaração com críticas mas também propostas de transição justa, solidária e sustentável. Ao entrar na segunda semana, Miguel de Barros identifica dois grandes impasses nesta COP30: o financiamento climático e os indicadores que deverão sustentar novos compromissos. Países africanos exigem metas claras e mecanismos de verificação, enquanto países desenvolvidos afirmam não haver tempo para tal nível de detalhe. Há, inclusive, quem interprete a posição africana como uma estratégia para adiar a implementação de compromissos até à COP32, marcada para a Etiópia. Questionado sobre o contexto nacional, Miguel de Barros é claro: apesar de 26% do território guineense serem áreas protegidas e das culturas locais favorecerem a preservação da natureza, o país continua sem mecanismos de detecção das mudanças climáticas, sem tecnologia para mitigação ou adaptação e altamente vulnerável. Ainda assim, Barros recusa o pessimismo. O activista lembra que, em 1992, após a Cimeira do Rio, as autoridades nem queriam ouvir falar de áreas protegidas, hoje fundamentais para a biodiversidade e segurança alimentar do país. A mudança, defende, virá do investimento contínuo em educação ambiental, do fortalecimento das capacidades comunitárias e da pressão civil para políticas e leis mais robustas. “Se conseguirmos avançar nestes três níveis, podemos ter um quadro muito mais favorável em 2030 do que o que temos agora”, conclui.
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  • COP30: Carlos Lopes, enviado para África e a radiografia da cimeira de Belém do Pará
    O Brasil acolhe desde esta segunda-feira a 30a Conferência das Nações Unidas sobre o clima. O economista guineense Carlos Lopes é o enviado especial do evento para África, por decisão do chefe de Estado brasileiro, Lula da Silva. Este também docente universitário na cidade sul-africana do Cabo está, em Belém do Pará para esta COP30. Carlos Lopes, enviado especial da COP30 para África, e economista guineense, começa por nos revelar em que consiste a sua tarefa nesta cimeira. Somos sete para as regiões consideradas pelo Brasil como estratégicas para a discussão climática. No que me toca, eu responsabilizo-me pela África. Estive envolvido na Organização da Cúpula Africana do Clima, que teve lugar em Adis Abeba há cerca de um mês e, portanto, faço a ponte entre as lideranças africanas e a presidência brasileira para poder fazer com que esta COP ouça melhor cada uma das regiões. No meu caso, a África, mas também possa, digamos, articular as várias conexões que são necessárias para negociações desta natureza, que são sempre muito complexas.  E é sempre o mesmo chavão. Mas, ao fim ao cabo, um chavão acertado em relação à realidade, ou seja, um continente que padece sobremaneira das alterações climáticas e que pouco polui. Esta constatação continua a ser válida em 2025, na COP de Belém em relação a África ? Sim, eu penso que nós temos agora até uma narrativa mais forte sobre o facto de regiões como a África precisarem de muito mais foco nos problemas de adaptação climática... E menos na mitigação, que normalmente domina os debates. E isso graças ao Brasil, digamos, ter também a mesma preocupação e estar orientada na mesma direcção. Portanto, o Brasil oferece à África essa possibilidade de maior concentração na adaptação, que é, de facto, o que nos interessa.  Fala-se muito em perdas e danos, precisamente em mitigação. O que é que se pode esperar em relação a esse prisma, sendo que houve já anúncios feitos desde a pré-COP e agora o início da COP propriamente dita... por exemplo, o lançamento do Fundo de Florestas Tropicais para sempre. Na prática, há já avanços aí a registar ? Na realidade, é o único fundo novo que aparece nesta COP porque a presidência brasileira quis dar ênfase à implementação e não a novos acordos. Mas tratando-se de uma COP que tem lugar numa zona que é considerada a maior floresta mundial, achou oportuno que se lançasse, digamos, uma iniciativa particularmente orientada para as florestas tropicais e centrada sobretudo na protecção de três grandes zonas do planeta, que são a principal reserva florestal que é a Amazónia, a África, na Bacia do Congo e também a Indonésia e o Sudeste Asiático.   E, portanto, a inovação desse fundo é que ele tem características um pouco diferentes de tudo o que foi até agora lançado na COP, porque é um fundo para pagar aquilo que já existe e não para fazer coisas. Portanto, é para permitir a protecção da floresta existente, e com uma ênfase também nas populações locais: as populações indígenas, as comunidades locais, a quem será reservada a 20% da utilização dos fundos apropriados. E com, digamos, características que são menos de compensação, e que são mais de aposta e investimento no futuro através da conservação. Portanto, têm de facto uma inovação muito grande. É importante sublinhar que o Fundo já está, digamos, com contribuições anunciadas importantes, sendo que dos 5 biliões que foram anunciados, cerca de três são da Noruega, que é o país que toma a dianteira e vai muito para além até das expectativas que se poderia ter nesta etapa da discussão. E há, digamos, uma adesão muito importante neste momento política para a criação desse fundo.    Como é que é o ambiente aí, sendo que, uma vez mais, os Estados Unidos ficam de fora? É claro que já não é uma novidade. Em que medida é que o "climato-cepticismo", por assim dizer, continua a pairar como uma sombra sobre as negociações da COP?    As negociações deste ano não são tão importantes porque não se trata de conseguir mais. Há um mapa do caminho, como se chama, de Baku para Belém, que foi definido na COP 29 e que é o assunto principal de negociações. E à volta de quais são os montantes de financiamento que até agora não foram cumpridos, e qual é o nível de ambição que se tem que acrescentar em matéria de financiamento climático? Mas, para além disso, as outras discussões estão mais ou menos alinhavadas. Não vai haver grandes controvérsias. A ausência dos Estados Unidos vai-se fazer sentir em termos de resultados, porque não é só o facto de os Estados Unidos estarem ausentes do debate climático. É a importância que tem indirecta nos comportamentos, equipamentos, por exemplo, corporativos, regulatórios. O facto de, por exemplo, os financiamentos privados estarem muito orientados pelas preocupações da principal bolsa de valores que é a Bolsa de Valores de Nova Iorque e, portanto, acaba por ter resultados indirectos muito negativos e que vão muito para além de os Estados Unidos propriamente ditos fazerem ou não fazerem o necessário.    Que olhar é que se pode ter acerca da proposta da economista francesa Esther Duflo, que apresenta uma solução original e na COP 30 de Belém, com o economista indiano Abhijit Banerjee, que é o seu esposo, que ganhou com ela o Prémio Nobel da Economia em 2019, mais o economista americano Michael Greenstone, que foi conselheiro de Barack Obama ? Eles estão a propor um sistema de transferências de dinheiro em troca de acções ambientais. Acha que este sistema pode ter pernas para andar? Eles propõem um esquema em que os países ricos se comprometem a arrecadar fundos e a enviá-los directamente às entidades, às pessoas para as ajudar a se proteger contra os excessos do clima na forma de transferências financeiras ?   Digamos que não é tão original. Tem a ver com as várias iniciativas para regular de uma forma ética, a emergência de um mercado de carbono. Eu sou defensor de que, no caso da África, nós precisamos ter um mercado de carbono regulado pelos africanos e liderado pelo Banco Africano de Desenvolvimento, porque é assim que nós podemos contornar o facto de que do exterior se faz a certificação, se faz a taxonomia, se faz, digamos, o controlo daquilo que é verde e do que não é verde, o que é o bom e o mau carbono e qual é o valor do carbono? Portanto, isto não são coisas que podem ser decididas por outrém, devem ser decididas por aqueles que detém, de facto, uma espécie de crédito histórico de carbono que não contribuíram para o problema e estão a sofrer mais do que os outros. E, portanto, é necessário poder de facto, conseguir transferir aquilo que nós consideramos como problema, que é o problema da dívida de um aspecto financeiro para um aspecto de carbono.    É adquirido, portanto, que não se consegue cumprir a meta de um máximo de 1,5 graus de aquecimento do planeta. Já se está a trabalhar num patamar superior: de menos de dois graus e meio do aquecimento, é assim ?   É de 2,4 graus ! Mas eu acho que o problema maior é de que mesmo essa segunda meta, que é uma meta, digamos, de realismo, também não será atingida se não se fizerem muito mais esforços do que aqueles que estão anunciados. E nós temos ainda o déficit sempre verificado daquilo que se promete e daquilo que se faz. Portanto, há contribuições dos vários países anunciadas aqui na COP, porque este era o ano em que se deveria fazer a revisão dos planos nacionais. Apenas 100 países, mais ou menos, vão apresentar esses planos nacionais. Se tivermos sorte, chegar aos 100. Portanto, faltarão cerca de 80 e poucos países. Mas mais importante do que isso é que esses países que não estão presentes, digamos, na mesa, alguns deles são os maiores emissores e, portanto, nós temos aqui já, digamos, comprometimento muito menor do que anteriormente, mas daqueles que anunciam temos um nível de ambição que está em redução, em vez de aumento.    Como o senhor professor está, nomeadamente responsável pela parte africana. Eu pedir-lhe-ia que nos desse um pouco um olhar da dimensão dos africanos presentes em Belém. Em que estado de espírito é que viu as delegações chegarem? São de alto nível? Isso é promissor, a seu ver, em relação à visibilidade de África nesta conferência ?   Nós não temos delegações lideradas por chefes de Estado em grande número, não é? E também a nível ministerial, a presença é bastante limitada e há várias explicações para isso. Uma delas é o facto de que estamos quase com as mesmas datas com a cimeira do G20, em que a África, pela primeira vez, tem uma importância maior, porque está a hospedar a cimeira do G20 e é a primeira vez que a União Africana participa a pleno. E há uma série de países africanos convidados pela presidência sul-africana. Portanto, isso não joga a favor da COP. A segunda razão é a logística. A logística aqui em Belém é muito complexa, é também muito cara. Portanto, as delegações africanas acabaram por ser penalizadas por causa dessa logística. A terceira razão é o facto de nós estarmos numa COP em que, digamos, os principais protagonistas estão ausentes e, portanto, não vamos ter aqui os três principais emissores actuais, que são os Estados Unidos, a China e a Índia. E podemos juntar de todo o G7. A nível de lideranças vieram apenas cerca de três, portanto há 17 países do G20 e do G7 e do G20, que não estarão presentes. E isso é, digamos, um desincentivo para a própria presença de outros países, nomeadamente africanos.      No discurso de abertura, o presidente brasileiro, Lula da Silva, lembrava que, de facto, em 92 tinha havido um pontapé de saída importante já no Brasil em relação às questões ambientais. E esta conferência volta, então, ao Brasil e agora à a Amazónia e a Belém, onde se encontra o senhor professor.  O que é que nos pode dizer acerca, precisamente, da expectativa dos habitantes desta grande cidade da Amazónia brasileira, relativamente ao acolhimento desta conferência, para a qual o mundo inteiro tem os olhos virados ?     Há uma grande excitação em Belém e há uma atitude, digamos, de grande euforia que se vê, que se sente. É palpável. Portanto, há um défice de visibilidade na Amazónia e esta é uma grande oportunidade. É uma janela para se poder mostrar que a Amazónia é muito mais do que apenas árvores. Tem pessoas, tem cultura, tem gastronomia, tem cultura musical também muito importante para o Brasil o carimbó. Enfim, temos aqui uma atitude de grande celebração e uma atitude de grande entusiasmo, a tal ponto que não vai haver problema de números em termos de participantes da COP. Pode haver problema de participação internacional, mas todo o espaço que não for ocupado por presença de delegações internacionais seguramente é ocupado com grande pompa e circunstância e entusiasmo por participantes paraenses, amazónicos, brasileiros.    Belém do Pará é mesmo uma área particularmente vulnerável às alterações climáticas ?  Seguramente, porque a Amazónia tem um problema de desmatamento, mas também tem um problema de grilagem, como aqui se chama, de ocupação ilegal de terras. Tem um problema de populações que vivem em regime quase escravo, segundo a definição da Organização Internacional do Trabalho. E nestes três quesitos, um dos Estados que sofrem mais é justamente o Estado do Pará. Portanto, não estamos muito longe dos grandes problemas que afectam a Amazónia. 
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