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Planeta Verde

Podcast Planeta Verde
Entrevistas sobre todos os temas relacionados ao meio ambiente. Análises sobre os principais desafios no combate ao aquecimento global, à poluição. Iniciativas ...

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  • Após retrocessos nos EUA, como o Brasil poderá atrair mais investimentos em economia verde?
    Um dos cinco focos do Fórum Econômico de Davos este ano é impulsionar soluções para o enfrentamento da crise climática para “salvar o planeta”. Os revezes na política ambiental dos americanos já começaram no primeiro dia da volta de Donald Trump à Casa Branca, mas muitas empresas garantem que não darão marcha à ré neste processo – e o Brasil poderá se beneficiar dessa movimentação de recursos. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a DavosO governo brasileiro foi à Suíça para vender o potencial do país e atrair investimentos – contando também com a fuga de alguns deles dos Estados Unidos nos próximos quatro anos. "Eu acho que o retrocesso na agenda ambiental e climática é ruim, não importa se você tem oportunidades ali ou não. Nós não temos tempo: precisamos fazer as coisas com velocidade”, destacou Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio e que agora atua em investimentos na economia verde."A temperatura está subindo e o fato de o Brasil eventualmente se beneficiar de uma coisa ou outra é importante, é bom para o país, mas não devemos celebrar muito, não. O que nós queremos é que a agenda ambiental e climática caminhe, e caminhe rápido”, disse Azevêdo, presidente global de operações da Ambipar, multinacional líder de soluções ambientais para as cadeias de negócios.O Brasil é uma potência ambiental pelas suas florestas, biodiversidade, clima e matriz energética. Além disso, acumula conhecimento científico e tecnológico nestes setores, incluindo o que há de mais moderno em agricultura sustentável e monitoramento de desmatamento."Acho que todos os setores precisam participar desse processo. Obviamente, o Brasil é uma liderança em energia limpa, mas a gente vem avançando em uma agricultura com recursos vindos de economia circular, com integração, agrofloresta”, complementou o vice-presidente de sustentabilidade da Ambipar, Rafael Tello. "Temos aí uma série de oportunidades.”O Instituto Arapyaú, filantropia com mais 15 anos de atuação, faz a ponte para viabilizar projetos de bioeconomia e soluções baseadas na natureza. A CEO Renata Piazzon aposta que "um vácuo" vai ser deixado pelos Estados Unidos, e avalia que a realização da COP 30 esse ano no país coloca o Brasil em um momento de "muita relevância".“A gente é a única filantropia brasileira que faz parte de um grupo maior de filantropos, Funders Table, que investe mais de US$ 4 bilhões na agenda de mudanças climáticas. Já teve sinalizações de mudança de uso do recurso para países em desenvolvimento – muito do recurso da filantropia global em clima que seria usado para apoio a projetos nos Estados Unidos, parte dele deve migrar para outros países emergentes”, avaliou. "Eu acho que esse é o caso do Brasil, então acho que é um ano que a gente precisa mostrar soluções, coisas que já deram certo e que o Brasil já colocou em escala. Restauração é uma das coisas”, frisou.Desconfiança nos projetosAgroecologia, agricultura regenerativa e soluções tecnológicas para um agro mais sustentável, como biofertilizantes, também têm potencial de atração, sublinha Piazzon. Mas nos diferentes painéis sobre o tema em Davos, dois bloqueios para apostar no país foram repetidamente evocados: confiança nos projetos e segurança regulatória, jurídica e institucional.“Nada disso vai acontecer de forma natural e espontânea. Não é uma dádiva divina. Você tem os recursos, mas você precisa ter políticas públicas que ajudam nesse sentido”, explicou Azevêdo. "Precisa ter um ambiente internacional que favoreça o trânsito dos serviços e mercadorias que são transacionados na economia verde brasileira e para o mundo. E, sobretudo, precisa trazer para o exterior uma narrativa mais sofisticada sobre o que acontece no país”, notou.A Re.green é uma das empresas que atua para atrair capital privado para a restauração de florestas no Brasil. O CEO Tiago Picolo reconhece que "não é fácil” transmitir a segurança da qual os investidores precisam."Pelo lado da iniciativa privada, eu acho que você precisa ter uma proposta de valor e uma equipe muito bem estruturada. Não tem segurança política suficiente para compensar um projeto mal feito ou pessoas que não têm experiência ou não estão estruturadas, uma equipe estruturada para fazer isso”, disse. "Na Re.green, a gente focou muito nisso, em trazer os cientistas que realmente conhecem do assunto, trazer as pessoas da área florestal para gerar essa segurança."Leia tambémCOP29: gastar mais em energias fósseis do que na transição "é suicídio planetário", diz Carlos NobreRenata Piazzon, do Instituto Arapyaú, recomenda que o país consolide um a visão de longo prazo sobre a sustentabilidade, independentemente do governo no Planalto."O Brasil precisa olhar para além de COP 30, porque o mundo não acaba em Belém. Falta a construção de uma visão de país para os próximos dez anos, a visão do Brasil que vai estar aí depois das eleições de 2026”, afirmou.Interesse no mercado de carbono brasileiroA perspectiva do mercado regulado de carbono é outro aspecto que impulsiona o fluxo de recursos externos para o país desenvolver projetos socioambientais. No fim do ano, o governo aprovou no Congresso e sancionou a lei que cria as bases para essas transações.Pela sua diversidade ambiental, o Brasil é apontado como o país com maior potencial do mundo na geração de créditos. Durante o fórum, a Microsoft anunciou a ampliação de um projeto de restauração de áreas de floresta nativa na Mata Atlântica e na Amazônia, passando de 16 mil para 33 mil hectares."Não é uma coisa de curto prazo, vai demorar. Passou uma lei, mas tem um monte de regulamentações que têm que ser desenvolvidas nos próximos anos. Mas é um sinal bem positivo”, comentou Tiago Picolo.Leia tambémEm Davos, ministro Silveira diz que Brasil abrirá mão do petróleo quando países ricos cumprirem promessasMas para que este mercado realmente funcione – e não seja apenas uma espécie de licença para as empresas continuarem a emitir livremente gases de efeito estufa –, é preciso garantir a integridade da oferta e da demanda dos projetos."Esse negócio da baixa integridade no mercado é uma faca de dois gumes, porque, por um lado, muitas pessoas – as empresas – ficam fora do jogo, sentam no banco de reserva esperando para entrar no campo, e me gera um trabalho de ter que explicar como é que eu me diferencio”, observou. "Por outro lado, quem quer estar no jogo aumentou muito o sarrafo, então são poucos que conseguem transmitir essa confiança, essa integridade."Rafael Tello salienta que a capacidade de auditar os resultados dos créditos que o Brasil negociar "vai ser cobrada”. "A gente precisa trabalhar com essa realidade, mas tem, sim, interesse. Precisa de cooperação, de transparência, precisa de seriedade. É uma visão de longo prazo”, pontuou também o executivo da Ambipar. "A gente não vai resolver isso de um dia para o outro, então a gente precisa trabalhar passo a passo, de forma consistente, para materializar essa potência que a gente tem no Brasil”, resumiu.
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  • Nova norma obriga reciclagem de roupas na UE, mas volume e baixa qualidade das peças impedem avanços
    Onde você coloca uma roupa rasgada que não usa mais? E os sapatos, o que fazer quando ficam em mau estado? Na Europa, desde o começo do ano, é proibido colocar têxteis e calçados no lixo comum – mas apesar da boa intenção, a medida continua a ignorar o impacto das indústrias de fast fashion no continente. Em 1º de janeiro de 2025, entrou em vigor na União Europeia uma nova diretiva que proíbe os cidadãos de não realizarem a coleta seletiva do vestuário. Apenas tecidos molhados ou usados na construção civil devem ser descartados com o lixo orgânico, direto para incineração.Já as camisetas furadas e os tênis deteriorados devem ser colocados em pontos de coleta – de onde partirão, em tese, para a reciclagem.“Ainda tem muita roupa e têxteis em geral que são simplesmente jogados no lixo”, salienta Louise Curran, professora de Comércio Internacional da TBS (Toulouse Business School) e especialista na moda sustentável. “As pessoas não sabem a que ponto eles podem ser reaproveitados, ou pensam que se está um pouco estragado, ninguém mais vai querer usar. Perdemos um pouco o hábito se consertar, e as jovens gerações mal sabem costurar um botão.”Outro problema é que, há anos, a reciclagem enfrenta dificuldades para se desenvolver na Europa. Na Bélgica, por exemplo, as associações que recuperam as roupas já não davam conta dos volumes cada vez maiores de peças jogadas fora – no ano passado, subiram 17%, algo jamais visto, relata Franck Kerckhof, diretor-adjunto da federação Ressources.“É claro termos uma obrigação de coleta seletiva dos têxteis é bem-vindo positivo”, diz. “Porém colocaram a carroça na frente dos bois: adotaram essa obrigação antes de implementar um plano para financiá-la. Hoje, são os atores da economia social e solidária que se encarregam da coleta seletiva – e eles não têm vocação de bancar a gestão do lixo dos cidadãos.”Fast fashion sob pressãoEste até poderia ser um “bom problema”, se a qualidade das peças recuperadas nos pontos de coleta não fosse cada vez pior. Com a valorização dos produtos de segunda mão na última década, os consumidores agora tendem a descartar apenas as roupas que não conseguem revender em plataformas especializadas.Para piorar o quadro, grande parte do vestuário que vai parar no lixo é, originalmente, de baixa qualidade e feita com materiais impossíveis de reciclar, como poliéster e acrílico.“Isso está no foco do problema: a atuação dos produtores e, em especial, os de fast fashion e ultra fast fashion. Em resumo: é preciso urgentemente regular esse mercado e que os produtores assumam uma parte dessa responsabilidade sobre como a cadeia deve funcionar desde o como, com a escolha dos tecidos, até o fim da vida de uma peça”, clama Kerckhof.O diretor-adjunto da Ressources defende a adoção de um "ecoimposto" para financiar o destino final destas roupas, a exemplo dos que já existe para vários outros setores como baterias, produtos eletrônicos e pneus. Mas a solução não é tão simples num momento em que o mercado europeu é invadido pelas plataformas de ultra fast fashion chinesas, como Temu e Shein, salienta Curran.“Do ponto de vista logístico, tentar controlar todos esses pequenos pacotes que chegam da Ásia é extremamente complicado. Estamos falando de milhões de pacotes por dia, e não tem como esperar que a alfândega abra cada um e verifique onde e como foram feitos”, indica. “Então, vai ser preciso que as marcas queiram contribuir.”UE aposta em garantir melhor qualidade das marcas do blocoAté o momento, a Comissão Europeia tem preferido pressionar as fabricantes do bloco a adotarem melhores práticas e garantir que elas sejam aplicadas, em vez de impor novos impostos que tornariam a concorrência ainda mais dura com os produtos asiáticos.“As grandes marcas de fast fashion, como H&M, Zara e até Primark, melhoraram muito na transparência da cadeia de produção. Ainda não são perfeitas, mas temos à disposição muitos sites com informações sobre o que é de onde vêm o que estamos comprando, inclusive quanto usou de água, a taxa de reciclabilidade”, afirma a especialista. “Já a ultra fast fashion continua extremamente opaca, o que leva as fast fashion a afirmarem que não estão mais conseguindo concorrer nestas condições.”A pesquisadora irlandesa participa do projeto Twin Seeds sobre as cadeias globais de valor à luz da crise climática. Ela observa ainda que países produtores de matérias-primas naturais, como o Brasil com o algodão, poderão se beneficiar do eventual aumento da regulamentação sobre o setor têxtil na Europa.“O algodão é uma matéria-prima natural que pode ser reciclada se for monofibra, ou seja, se não estiver misturada com elastano, poliéster ou outro. Ele tem a grande vantagem de não ter origem na indústria fóssil”, frisa. “O Brasil talvez tenha aí uma oportunidade, nesta nova concepção de roupas mais ecorresponsáveis e respeitosos do meio ambiente, se um dia conseguirmos chegar lá.”
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  • As boas notícias de 2024 para o planeta – e como a esperança é motor de ação contra a crise climática
    As notícias relacionadas ao meio ambiente costumam não ser das mais animadoras – e em 2024, não foi diferente. Com os alertas sobre o aquecimento global, as mudanças do clima e a degradação da biodiversidade cada vez mais graves, parece difícil olhar para o futuro com otimismo – mas o ano que chega ao fim também foi marcado por uma série de fatos positivos. Lúcia Müzell, da RFI em ParisNo Brasil, em meio a catástrofes como as enchentes históricas no Rio Grande do Sul ou a seca recorde na Amazônia, a notícia da forte redução do desmatamento traz esperança. Os últimos dados oficiais, revelados em novembro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam para uma queda anual de 30,6% do desmate da Amazônia em relação ao período anterior, entre 2022 e 2023. Foi o melhor resultado em nove anos, no bioma. Já no Cerrado, a diminuição foi de 25,7%.A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, celebrou os avanços, mas indicou que muito ainda resta a ser feito. “É claro que quando você faz um esforço e consegue um resultado significativo, cada vez mais os esforços vão ficando mais complexos, mais difíceis. Nós ainda temos muito o que evitar de desmatamento até alcançarmos o desmatamento zero. Esse é um esforço em equipe: 19 ministérios trabalhando juntos, e cada vez mais, daqui para a frente, vamos precisar dos ministérios da dinâmica do desenvolvimento, olhando para agricultura, a energia, o transporte”, salientou. “É isso que vai fazer com que o desmatamento tenha uma queda consistente, e não apenas por ação de comando e controle. Mas é muito animador e gratificante verificar que, mesmo com todas as dificuldades, é possível ter política pública que faça o enfrentamento. É assim que quem não é negacionista faz política pública.”Os dados fortalecem a posição do Brasil como presidente da próxima Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, que acontecerá em 2025 na cidade de Belém, no Pará. Trinta e três anos depois da Rio92, o país estará de novo no centro das atenções nas negociações climáticas. Na COP30, os países deverão estabelecer novos objetivos de redução de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento anormal do planeta.Brasileira à frente da Autoridade Internacional dos Fundos MarinhosNo ano que passou, a atuação do Brasil na diplomacia ambiental rendeu frutos: em agosto, a oceanógrafa e diplomata Leticia Carvalho foi eleita secretária-executiva da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), braço das Nações Unidas sobre o tema. A sua nomeação trouxe um vento de renovação à entidade, que estava com a credibilidade atingida pela gestão do secretário-executivo anterior.Leia também‘Relevância’ de minerais do fundo mar para a transição será decidida pelos países, diz brasileira na ONULeticia Carvalho tem à frente um desafio histórico: obter o consenso dos 168 membros da ISA para a definição de um código da mineração no fundo do mar, já no seu primeiro ano de mandato. Mais de 30 países, como Brasil, França, Suécia ou Guatemala, exigem uma moratória completa das prospecções nessas imensas áreas submarinas, enquanto o impacto ambiental da atividade não for esclarecido pela ciência, de modo independente. Do outro lado, o lobby industrial tem pressa.“Certamente vou levantar-me na defesa de um secretariado muito mais ativo, que busque preencher as lacunas de informação existentes entre os diferentes Estados-membros, ajudando-os a tomar decisões informadas sobre a mineração em água profunda”, disse Carvalho à RFI, em setembro. “No que diz respeito a essas áreas além da jurisdição nacional, eu queria ressaltar que é responsabilidade primária dos Estados decidir coletivamente a melhor forma de equilibrar necessidades de proteção e preservação do meio ambiente marinho e o interesse do uso comercial dos recursos do leito marinho. Não houve mudança no cronograma até agora, então estamos todos observando e trabalhando no sentido da conclusão em 2025”, apontou.“Vovós pelo clima” têm vitória judicial inéditaEssas negociações internacionais costumam ser lentas e causam apreensão e revolta nas populações atingidas pelas mudanças do clima, que não esperam para avançar. Em 2024, o planeta bateu, de novo, o recorde de ano mais quente já registrado e, pela primeira vez, o mundo experimentou o que significa ter temperaturas 1,5C acima das medições no período pré-industrial. Este é o limite de aquecimento que o Acordo de Paris busca garantir – mas, para isso, os países precisarão fazer a sua parte.Um grupo de idosas suíças decidiu cobrar na justiça que o pequeno país europeu faça mais para combater as mudanças do clima, e teve uma vitória inédita. Em abril, a Suíça foi condenada por inação climática e violação dos direitos humanos pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos. A sentença gera jurisprudência e aumenta a pressão sobre os 46 Estados membros do Conselho da Europa.A Corte em Estrasburgo considerou que Berna não está respeitando os seus compromissos assumidos nos acordos internacionais sobre o tema. As 2,5 mil “vovós suíças”, reunidas no coletivo Idosas pelo Clima, alegaram que o aquecimento global já atinge a sua saúde e as ondas de calor, mais frequentes, as colocam em risco de morte.Anne Mahrer, copresidente da entidade, prometeu manter a pressão para a Suíça aplicar a decisão. Entre as medidas necessárias, ela cita a redução do impacto ambiental da construção civil e dos transportes e o fim das energias fosseis, mas também “visar a atuação do sistema financeiro, que continua financiando essas indústrias poluentes”.“São 300 páginas onde está escrito muito claramente tudo que é preciso colocar em prática e que não é feito. Um país como a Suíça não ter orçamento climático, nem objetivos claros para chegar à neutralidade de carbono em 2050, é inacreditável”, disse Mahrer à RFI, em abril. “Um país rico, industrializado há tantas décadas, deveria ser exemplar – e não é. Quem paga mais caro são os países do sul, que menos contribuíram para a catástrofe”, complementou.Reino Unido abandona a energia a carvãoEntre as economias ricas, o Reino Unido deu um exemplo importante: tornou-se o primeiro a se livrar da energia a carvão. A primeira termelétrica do mundo foi aberta justamente em Londres, em 1882. Agora, o país inova mais uma vez ao ser pioneiro no fim da energia mais poluente.A central de Ratcliffe-on-Soar será desmantelada antes do fim da década, para dar lugar a um "centro de energia e tecnologia livre de carbono". O fechamento é um passo fundamental para o cumprimento da promessa britânica de chegar em 2030 com 100% da energia neutra em emissões de CO2 e equivalentes, responsáveis pelo aumento anormal da temperatura na Terra. Até os anos 1980, o carvão representava 70% do aporte de eletricidade do país, mas caiu drasticamente a partir dos anos 2010 – graças, em um primeiro momento, à substituição pelo gás natural do Mar do Norte e, depois, por centrais eólicas e solares.Essa virada foi resultado da Lei de Energia do governo do então primeiro-ministro conservador David Cameron, que limitou a atratividade dos investimentos em fontes fósseis, em especial o carvão, ao mesmo tempo em que estimulou a produção de energias limpas. Hoje, o gás – das fontes fósseis, a menos poluente – representa cerca de um terço da matriz energética britânica. Outro terço vem do petróleo e o restante é dividido entre nuclear e renováveis (17%).“O uso do carvão é problemático na maior parte dos países do mundo, principalmente nos do G20, onde a Índia e a China ainda dependem muito dele. Os Estados Unidos o substituíram por gás natural, mas eles tinham 40% de matriz de carvão, que por sinal é a média mundial. O carvão ainda é muito presente, é uma fonte barata de energia e vai ser uma dificuldade grande continuar tirá-lo de vários desses países”, antecipa Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), de São Paulo, e doutor em planejamento energético.Na cúpula do G7 deste ano, as sete economias mais desenvolvidas do globo se comprometeram a eliminar estas usinas até 2035.Outra boa notícia é que, na China, de longe a maior emissora de CO2 do planeta, mais de um quarto da energia consumida já é de fontes descarbonizadas – ou seja, renováveis e nuclear. Um relatório apresentado por Pequim informou que, na última década, estas fontes passaram de 15,5% para 26,4% do mix energético chinês. O país promete estabilizar ou começar a diminuir as suas emissões em 2030.Ansiedade climática abala confiança no futuro, mas pode mover açãoNo cenário global, o ritmo da transição para uma economia de baixo carbono caminha a passos lentos demais, diante do problema. Nas conferências ambientais deste ano, as cifras de financiamento climático oferecidas para os países em desenvolvimento enfrentarem as mudanças do clima decepcionaram. Os países não conseguiram chegar a um consenso sobre como implementar medidas para preservar a biodiversidade ou evitar o aumento das secas, que elevam os riscos de desertificação dos solos. Também adiaram a adoção de um tratado mundial para evitar a poluição por plásticos.Este contexto leva milhões de pessoas pelo mundo, principalmente as próximas gerações, a sofrerem do que a ciência já classifica como “ecoansiedade” ou “ansiedade climática”: o impacto da crise do clima na saúde mental. Um estudo de referência de 2021 da revista Lancet indicou que quase 60% dos jovens interrogados em 10 países, entre eles o Brasil, sentem-se preocupados ou extremamente preocupados com o futuro em um mundo mais quente. Outra pesquisa, publicada por cientistas da Yale-NUS College, em Singapura, revelou o quanto essa preocupação afeta os planos dos jovens de terem filhos.O coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (Nepte) da PUC do Rio Grande do Sul, Christian Kristensen, trabalhou no apoio psicológico às vítimas das enchentes no Estado este ano, em uma das catástrofes climáticas mais graves já vistas no Brasil.“Já há alguns levantamentos iniciais para mapear a ocorrência desses problemas na população gaúcha, mas há também muitos estudos internacionais, em outras situações de enchentes, que nos sinalizam que esses problemas podem persistir 12, 24 ou até 36 meses”, afirma. “Quando a gente passa por evento climático extremo, isso obviamente mexe muito com as pessoas e pode até alterar a perspectiva de futuro. Isso está relacionado ao aumento das manifestações de ansiedade climática”, observa o professor da PUCRS.Alguns pesquisadores sobre o tema avaliam que a ecoansiedade é um motor de ação: quem não se preocupa não muda os seus hábitos, nem batalha para que os avanços no enfrentamento do problema sejam maiores. Mas, ao mesmo tempo, Kristensen salienta a importância do acesso a informações positivas em meio a um assunto marcado por más notícias.“Quando nós estamos num certo grau de ansiedade significa que nos importamos e isso pode nos mover positivamente na vida. Pode impulsionar a pessoa a se engajar em ações sociais, comunitárias. O problema é quando ela se torna algo tenso, paralisante, e acaba trazendo sofrimento e muitos prejuízos na vida da pessoa”, diz o especialista em trauma.“Existem vários exemplos, e é importante as pessoas saberem e os veículos de comunicação divulgarem, os exemplos positivos tanto de ações individuais, quanto coletivas, comunitárias, que podem transformar esse sentimento de ansiedade e preocupação em uma coisa muito positiva, ao criar um senso de coletividade, de pertencimento”, ressalta Kristensen. “É muito importante a gente se dar conta de que é óbvio que a ação humana sobre o clima é algo inegável, mas nós ainda temos possibilidades de ter ações transformadoras.”Fim de plásticos na África, camada de ozônio se recuperandoOutras boas notícias para o meio ambiente em 2024 no ano foram que a Austrália proibiu a exploração de uma reserva de urânio, uma das maiores do mundo, situada sob uma zona do povo aborígene Mirrar. A reserva fica nas proximidades do Parque Nacional de Kakadu, tombado patrimônio mundial da humanidade.A Nigéria, potência africana, adotou o fim dos plásticos descartáveis na capital, Lagos. Desde janeiro, os comerciantes são obrigados a oferecer alternativas reutilizáveis às sacolas plásticas, por exemplo. Medidas como esta se generalizam pelo continente, onde 34 países já adotaram algum tipo de proibição ou legislação para limitar os plásticos, derivados do petróleo.Leia tambémPor que apenas 9% dos plásticos no mundo são reciclados?Pelo mundo, também proliferaram as iniciativas para controlar o turismo de massa, fonte de poluição e emissões de CO2. De Veneza ao Himalaia, passando por Barcelona, diversas cidades adotaram medidas para compensar o efeito nefasto do turismo excessivo para o meio ambiente.E uma notícia animadora sobre a atmosfera: a concentração do gás HCFC, utilizado em aerossóis e na refrigeração, está baixando mais rapidamente do que os cientistas previam. Um relatório da universidade de Bristol, publicano na revista Nature Climate Change, mostrou que o cumprimento dos compromissos internacionais para reduzir o uso deste gás, nocivo para a camada de ozônio que protege a Terra do sol, resultou em um verdadeiro sucesso.O caso ilustra o quanto a cooperação internacional é fundamental para a preservação da vida no planeta. Segundo as últimas estimativas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), publicadas em 2023, a camada de ozônio, alvo de um protocolo de proteção adotado em 1987, deve se reconstituir plenamente nas próximas quatro décadas.
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  • Mais áreas verdes e menos barulho de trânsito evitariam milhares de mortes por ano, diz estudo francês
    Saúde e meio ambiente estão diretamente ligados. Medidas de urbanismo que contribuem para a preservação do planeta também salvam vidas, mostra um estudo francês. O aumento das áreas verdes, a diminuição da poluição atmosférica e do barulho dos transportes e o estímulo à mobilidade ativa são algumas das iniciativas que impactam na taxa de mortalidade de uma cidade, indica o relatório da Agência de Saúde Pública da França. Lúcia Müzell, da RFI em ParisA expansão das áreas verdes gera um efeito cascata em favor da saúde física e mental dos habitantes, constata a pesquisa, que fez estimativas para três metrópoles do país, de diferentes tamanhos: Rouen, com 481 mil habitantes, Montpellier, com 492 mil, e Lille, onde moram 1,17 milhões de pessoas."Os estudos mostram que quanto mais tem vegetação numa cidade, qualquer que seja ela, inclusive só mais arvores ao longo de uma rua, mais o risco de mortalidade diminui para as pessoas que moram nesta zona. São vários benefícios, mas para começar, a vegetação diminui a exposição a fatores desfavoráveis, como o calor ou a poluição do ar, já que algumas árvores conseguem absorver alguns dos poluentes do ar”, explica Mathilde Pascal, coordenadora científica do projeto. Assim, se todos os bairros tivessem a mesma área verde daqueles que mais são vegetalizados, considerando a densidade populacional, haveria uma queda de 3% a 7% da mortalidade anual nestas cidades. A presença de vegetação reduz a sensação térmica durante picos de calor e estimula as interações sociais, com efeito positivo na saúde mental dos moradores – benefícios já documentados por uma série de evidências científicas, que baseiam recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a redução da mortalidade nas zonas urbanas. Impacto do barulho dos transportesFrequentar espaços verdes diminuir o estresse e melhora a regeneração mental, enumera ainda Pascal. Além disso, a arborização contribui para limitar o barulho dos transportes rodoviário e ferroviário, que pode abalar a qualidade do sono das pessoas afetadas."Se reduzíssemos a quantidade de barulho, permitiríamos a milhares de pessoas dormirem melhor nas cidades – e uma pessoa que dorme melhor tem uma melhor saúde, riscos cardiovasculares menores, melhor capacidade de aprendizagem. O que a literatura também mostra é que, no sentido contrário, os sons ligados à natureza, como do vento nas árvores ou o canto dos pássaros, são muito positivos para a saúde”, observa Pascal. Leia tambémModa tóxica: como os químicos das roupas afetam a saúde e poluem o meio ambienteAbrir espaços verdes também significa facilitar hábitos saudáveis das populações, como caminhadas e corridas, com efeitos positivos comprovados para a saúde. Nas grandes cidades, a prática de esportes pelos adultos é insuficiente e uma das razões alegadas é falta de tempo, constata a pesquisa. A Agência de Saúde Pública recomenda medidas de estímulo à mobilidade ativa: favorecer os deslocamentos do cotidiano a pé, bicicleta ou ao menos de transporte público, que resulta em mais atividade física do que simplesmente pegar o carro."No nosso estudo, percebemos que muita gente ainda usa o carro para trajetos curtos, de até um quilômetro. Concluímos que se 80% destes deslocamentos curtos fossem feitos a pé, teríamos uma redução de 2% a 3% da mortalidade a cada ano nas cidades que analisamos, o que significa de 100 a 200 mortes a menos por ano”, comenta a pesquisadora. "Também estimamos que se cada adulto da cidade fizesse 10 minutos de bicicleta a mais por dia, a queda da mortalidade seria de 6%, ou entre 200 e 600 mortes por ano.” Decisões urbanísticas que salvam vidasImplementar essa transformação necessita impulso político dos governos, salienta Mathilde Pascal: não se trata apenas de uma mudança de hábito das pessoas, mas de promover a reorganização dos espaços urbanos para que elas aconteçam."Sabemos o quanto, em alguns lugares, é complicado não usar o carro: lugares onde não é agradável andar de bicicleta ou caminhar, ou é perigoso, ou porque não tem transporte público eficiente. A nossa mensagem, então, é incitar os gestores a criarem políticas favoráveis às mobilidades ativas”, destaca a coordenadora da pesquisa.O estudo se limitou a identificar os efeitos concretos das decisões de urbanismo sobre as saúde das pessoas, mas não apresenta recomendações sobre como os governos devem fazê-las. O documento não menciona, por exemplo, a pertinência da redução da velocidade máxima dos veículos sobre a poluição atmosférica. A medida é cada vez mais comum nas cidades francesas, diante do dado que a poluição do ar mata 400 mil pessoas por ano no país.Em Paris, a prefeitura realizou uma verdadeira transformação neste sentido, na última década: delimitou ou construiu mais de 1.000 quilômetros de ciclovias, baixou a velocidade para 30 quilômetros por hora em quase toda a cidade e, em novembro, também proibiu a entrada de carros de não residentes em uma zona central da cidade.
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  • Conferência sobre Desertificação evidencia riscos para a Caatinga brasileira
    Com menos repercussão que as conferências internacionais sobre clima ou a biodiversidade, a 16ª COP da Desertificação fecha o ciclo dos grandes encontros ambientais das Nações Unidas em 2024. O evento em Riad, na Arábia Saudita, desloca as atenções para os lugares mais impactados por um clima cada vez mais quente e seco. No Brasil, o semiárido da Caatinga é a região mais sujeita a um processo irreversível de degradação. Lúcia Müzell, da RFI em Paris"Toda a área na Caatinga está na área mais suscetível à desertificação. O aquecimento global e as mudanças climáticas fazem o ambiente perder umidade. Temos um solo sem vegetação, com sol e uma temperatura muito intensa, e sem disponibilidade de água. Ali é um ambiente muito oportuno para a degradação da terra e, por consequência, de desertificação”, explicou Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente do Brasil.O desmatamento das florestas, as queimadas e uso ineficiente da água na produção agrícola aceleram esta transformação. O agronegócio brasileiro é, ao mesmo tempo, causador e vítima deste fenômeno.O uso intensivo da terra por monoculturas e pecuária degradam os solos e afetam a sua fertilidade. As mudanças do clima modificam o regime de chuvas, o que intensifica as secas e afeta as lavouras, causando prejuízos milionários ao setor.Mas Pires observa que não é apenas o agro que demora a reagir diante destes riscos: a sociedade brasileira como um todo e os governos nas três esferas de poder não acordaram para a ameaça da desertificação, que atinge cerca de 38 milhões de pessoas no nordeste, entre elas 42 povos indígenas.Em paralelo, os demais biomas brasileiros sofrem com o aumento das secas – a Amazônia experimentou neste ano a estiagem mais severa da história. Mesmo assim, na última COP sobre a Desertificação, em 2022, apenas duas pessoas compunham a delegação brasileira."As secas não são mais um fenômeno apenas da região nordeste, do semiárido brasileiro, mas todo o país está sofrendo, assim como outros países que não sofriam agora estão, em função das mudanças climáticas. A gente espera chegar a um acordo sobre um protocolo, uma declaração na qual os países partes da Convenção de Combate à Desertificação consigam pensar em uma estratégia para tratar o tema das secas, que é também uma agenda climática”, salientou, em entrevista à RFI.Gargalo do financiamento também na COP da DesertificaçãoComo nas demais reuniões internacionais, o financiamento das ações de recuperação dos solos e adaptação a um clima mais seco é um ponto de fricção entre os 196 países reunidos em Riad.Em escala global, 1,5 bilhões de hectares de terra precisam ser restauradas em cinco anos, a um custo estimado em US$ 2,6 trilhões até 2030 – dos quais US$ 191 bilhão por ano apenas para África, onde o combate à desertificação é uma questão de segurança alimentar. Os valores são altos, mas especialistas garantem que o custo de deixar o problema aumentar será ainda maior.Nas negociações na COP16, os países se dividem em grupos: de um lado, África, Ásia, América Latina e países mediterrâneos, mais afetados pela degradação dos solos, exigem um protocolo legalmente vinculante sobre o tema, como o de Kyoto balizou as negociações climáticas. Diante deles, o grupo da Europa ocidental e outros países do norte, como os Estados Unidos, alega ser pouco ou não ser atingido e resiste à ideia de mais um acordo ambiental.Duas visões de sistemas agroalimentares também se confrontam: uma baseada na intensificação das culturas e da pecuária e no uso de produtos fitossanitários, amplamente subsidiada desde meados do século 20; e a outra, agroecológica, utilizada em todo o mundo, mas de forma mais fragmentada e localizada, muitas vezes devido à falta de apoio político e financeiro nos países.Leia tambémTirar os lobistas resolveria? Quais as pistas para as Conferências do Clima darem mais resultados"É exatamente na faixa de terras secas suscetíveis a desertificação no planeta onde estão os maiores índices de pobreza, de insegurança alimentar, mas é também onde estão grande parte dos agricultores camponeses, comunidades locais produtoras de alimentos saudáveis”, observou Pires, um dos representantes do Brasil na conferência.Desmatar é mais barato que recuperarNo Brasil, o diálogo entre as pastas do meio ambiente e da agricultura em busca de melhores práticas agrícolas, mais eficientes para garantir a qualidade dos solos, ainda precisa evoluir. Derrubar florestas é uma solução mais barata do que recuperar as áreas degradadas.No semiárido, a situação é ainda mais grave: cerca de 207 mil quilômetros quadrados de solos encontram-se em estado severo ou crítico de degradação."Investir na restauração e na recuperação desses 20 milhões de hectares é muito mais custoso do que a gente evitar o processo de desmatamento do Cerrado, da Caatinga ou de qualquer bioma, mas estes dois são os mais afetados pelo processo de desertificação”, ressaltou.Além das zonas mais críticas ou ocupadas pela agricultura, em estudo de julho deste ano o Mapbiomas revelou que até 25% da vegetação nativa do Brasil pode estar degradada – ou até 135 milhões de hectares. A maior parte fica no Cerrado, seguido da Amazônia. Mas proporcionalmente ao seu tamanho total, a Mata Atlântica é o bioma mais danificado.A COP16 termina no dia 13 de dezembro.
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