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  • Comissão Europeia quer incitar correntistas a investirem os € 10 trilhões adormecidos em poupança
    Os europeus são os campões mundiais da poupança: € 10 trilhões (R$ 63,7 trilhões) estão parados em contas seguras e com baixo rendimento no bloco, uma fortuna que a Comissão Europeia busca agora mobilizar. Um plano que alia educação financeira, produtos mais acessíveis e incentivos fiscais foi lançado no começo do mês, de olho em trazer esse dinheiro para a economia real. Entre os países ricos, ninguém poupa mais do que os europeus, um dos impactos de longo prazo das duas guerras mundiais no continente. Além do aspecto cultural, outro entrave é que o sistema financeiro no bloco não é totalmente integrado e transparente, uma barreira para os cidadãos tirarem o dinheiro da poupança para investir em ações. “O problema principal não é o nível de poupança em si, mas a orientação dela. Em todos os países europeus, os investimentos a risco, em empresas e no sistema produtivo em geral, são relativamente limitados”, afirma Luc Arrondel, diretor de pesquisas do prestigioso CNRS, na França, e professor da Paris School of Economics (PSE). “Se comparamos com os países anglo-saxões, por exemplo, a grande diferença é que a França ou a Alemanha não têm fundos de pensão, que poderiam apoiar os investimentos de longo prazo.” Angelo Riva, professor de finanças da Inseec Business Scholl e pesquisador associado da PSE, complementa: “Nos Estados Unidos, tem o sistema consolidated tape, que permite aos investidores acessarem qualquer bolsa, graças a um circuito seguro. Na prática, se você quiser comprar ações da Google na Bolsa de Boston, você pode e é automático. Na Europa, é mais complicado”, aponta. Rendimento negativo na poupança Bruxelas avalia que os trilhões da poupança dos europeus poderiam impulsionar o sistema produtivo no bloco, em plena crise, enquanto Estados Unidos e China protagonizam uma acirrada guerra industrial. O dinheiro, ao contrário, permanece paralisado a rendimentos próximos de zero ou até negativos, como ocorreu durante o período de inflação alta na zona, em 2023 e 2024. Um primeiro passo será tirar do papel um produto comum a todos os países: a União da Poupança e do Investimento, com ações, obrigações e fundos a partir de € 10. O objetivo é atrair investimentos de particulares em pequenas e médias empresas, para acelerar a transição energética e apoiar grandes projetos do bloco. Angelo Riva salienta o impacto da fraca educação financeira dos cidadãos, que, num contexto de grandes incertezas econômicas, afeta a sensibilidade ao risco. Ele também destaca o problema de intermediação entre os correntistas e os bancos. “Na Europa, não é muito fácil, para as pessoas pouco familiarizadas com mercados financeiro, investimentos e finanças em geral, confiarem nos conselhos de alguém. Tem um trabalho a ser feito junto aos bancários, que muitas vezes não têm as informações mais corretas ou atualizadas para oferecer”, observa. “Os clientes também têm muita dificuldade de compreender as diferenças entre as ofertas dos bancos”, indica. Dinheiro embaixo do colchão Neste contexto, uma nota do Banco Central Europeu sobre o uso do dinheiro em espécie em tempos de crise causou confusão. A instituição relatou a iniciativa de alguns estados-membros, como a Holanda e a Áustria, de recomendarem a seus cidadãos manterem em casa um certo valor em dinheiro vivo, “em caso de crise maior”. O montante sugerido, entre € 70 e € 100 por integrante da família, deve ser suficiente para cobrir os gastos de até 72h. O relatório logo foi associado ao temor de uma expansão da guerra da Rússia contra a Ucrânia pelo continente, mas segundo os especialistas ouvidos pela RFI, esta não é uma leitura adequada do estudo. Para Luc Arrondel, são as eventuais crises de energia ou de informática que estão na mira do BCE. “Em tempos de crise, as pessoas buscam liquidez, por segurança. Acho que existe uma certa angústia com a possibilidade de não ser possível fazer pagamentos pelos meios digitais”, diz o especialista em poupança. “E isso é algo bem racional, na verdade: ter um pouco de liquidez para aguentar dois ou três dias, caso não seja possível, por qualquer razão, ter acesso aos pagamentos digitais.” A pane generalizada no sistema energético na Espanha e em Portugal em abril exemplifica a pertinência da precaução, concorda Angelo Riva. O pesquisador da INSEEC lembra que, muito antes dos pagamentos digitais, uma greve bancária na Irlanda causou o fechamento dos bancos durante seis meses, em 1970. Neste período, os irlandeses instauraram um sistema próprio de pagamentos por cheques e garantias, que compensou a escassez de dinheiro em espécie em circulação. “São eventos que os economistas chamam de extremos, ou seja, muito pouco prováveis, mas que são possíveis, e se precaver deste risco não chega ser um grande esforço para os cidadãos”, frisa.
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  • Europa x China: quem vai vencer a corrida pelo mercado de veículos elétricos?
    A disputa entre as duas superpotências pelo domínio do setor automotivo parece ter chegado à reta final e com um cenário preocupante para os europeus. Enquanto a produção no bloco freia, o rolo compressor chinês acelera. A RFI conversou com Sigrid de Vries, diretora-geral da ACEA, a Associação dos Fabricantes Europeus de Automóveis, para entender as estratégias e necessidades da União Europeia nessa corrida. Artur Capuani, correspondente da RFI em Bruxelas “Não podemos deixar que a China e outros conquistem esse mercado”. A frase da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em seu discurso anual ao Parlamento Europeu é um misto de temor e determinação que sublinha bem o momento decisivo da indústria automobilística na Europa. Entre a pressão por descarbonizar o transporte, o aumento dos custos de energia e a concorrência cada vez mais feroz da China, o setor tenta redefinir suas bases para permanecer competitivo e seguir como um dos pilares da economia do bloco, empregando quase 14 milhões de trabalhadores direta e indiretamente (mais de 6% dos empregos totais da UE). Mas, pelo menos por enquanto, o setor automotivo serve como um exemplo fundamental da falta de planejamento dos europeus. A necessidade de um plano mais robusto para enfrentar a crise do setor levou Von der Leyen a se reunir por três vezes neste ano com representantes da indústria para discutir medidas de apoio. O chamado Plano de Ação, lançado em março pela Comissão e que prevê a injeção de €1,8 bilhão para a produção de baterias de carros, ainda não surtiu efeito e segue com dificuldades de tração. Os números mais recentes da indústria automotiva europeia escancaram esse cenário. A produção de automóveis na UE caiu 2,8% no primeiro semestre de 2025, enquanto na China houve um salto de 12,3%. A discrepância também é observada nos números totais. A superpotência asiática é disparada a maior fabricante de veículos do mundo, produzindo mais de 2 milhões de automóveis por mês em 2025, enquanto a Europa, em segundo lugar, não chega a 1 milhão. As montadoras europeias demonstram crescente preocupação com a crise que afeta o setor. “Precisamos que a União Europeia nos ajude a reduzir a base de custos, porque enfrentamos uma situação de desvantagem em relação aos fabricantes chineses”, afirma Sigrid de Vries, diretora-geral da ACEA (Associação dos Fabricantes Europeus de Automóveis), em entrevista exclusiva à RFI. “Temos uma eletricidade mais cara e infraestrutura de recarga insuficiente, o que torna o mercado muito lento para gerar escala.” O enfraquecimento das fabricantes de carros impacta principalmente no mercado de trabalho. Em diversos países europeus, como Alemanha e Suécia, a indústria automotiva emprega uma parcela significativa dos trabalhadores, chegando a mais de 10% em alguns casos. No último ano, os alemães registraram uma baixa de mais de 50 mil empregos nesse segmento, o que reverberou em toda a economia europeia. O pedido urgente das fabricantes ganha coro também no relatório de competitividade elaborado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro ministro italiano Mario Draghi. O documento de 400 páginas foi encomendado pela Comissão e é tido como uma bússola do projeto econômico da UE. Na avaliação do italiano, a Europa enfrenta um dilema. A crescente dependência da China pode oferecer o caminho mais barato e eficiente para atingir as metas de descarbonização. Mas essa concorrência também representa uma ameaça às indústrias europeias de tecnologia limpa e automotiva. Segundo o relatório, a curto prazo, o principal objetivo do setor deve ser evitar o êxodo da produção para outros países e combater a aquisição de fábricas e empresas europeias por estrangeiros. Sobre a competição com o mercado asiático, De Vries reconhece a qualidade dos carros chineses e defende uma abordagem pragmática para conciliar sustentabilidade e competitividade. “Não é uma questão de abandonar as metas de descarbonização, mas de fazê-las funcionar em conjunto com uma indústria forte. Precisamos de mais flexibilidade e realismo”, explica. Nos planos da Comissão Europeia para virar essa mesa, está o lançamento de um projeto de incentivo à produção de veículos elétricos pequenos e baratos. “Milhões de europeus querem comprar carros europeus acessíveis. Por isso, também devemos investir em veículos pequenos e com preços acessíveis, tanto para o mercado europeu quanto para atender ao aumento da demanda global. Acredito que a Europa deve ter o seu próprio carro elétrico”, explicou Ursula von der Leyen. Tarifas ou subsídios? Antes mesmo de Trump propagar a guerra tarifária pelo mundo, o mercado automobilístico já levava China e Europa para essas trincheiras, em um duelo de porcentagens. Em 2024, a UE implementou 35,3% de tarifas de importação sobre veículos elétricos chineses, com o objetivo de frear o avanço desses modelos mais baratos e estimular a produção local. O argumento central é que os subsídios concedidos pelo governo chinês conferem aos veículos do país uma vantagem desleal. A medida provocou reação imediata de Pequim, que anunciou em resposta a taxação em 39% do conhaque europeu, afetando produtores tradicionais do bloco. E, ainda assim, a estratégia europeia parece não ter sido suficiente para bloquear o avanço dos elétricos chineses. As importações de carros da China para a Europa cresceram 36%, alcançando 465 mil unidades no primeiro semestre deste ano. Já as exportações europeias para a China despencaram 42%. Seriam então os subsídios também a solução para a Europa se tornar mais competitiva? Não, pelo menos na opinião da diretora-geral da ACEA. “Não acho que subsidiar seja a solução mágica. Precisamos de mais energias renováveis, mas também precisamos que a disponibilidade de eletricidade seja constante, que a rede seja modernizada para que haja disponibilidade o tempo todo", pondera De Vries.  Acordo Mercosul-UE Apesar do cenário desafiador, a executiva vê oportunidades em acordos comerciais internacionais, como a parceria UE-Mercosul. “É muito importante que esse acordo tenha recebido sinal verde. Acredito que ele será benéfico para a indústria automotiva dos dois lados. Vai impulsionar as exportações e fortalecer a colaboração entre os setores automotivos da Europa e do Mercosul", defende De Vries. Leia na íntegra a entrevista com Sigrid de Vries, diretora-geral da ACEA (Associação Europeia dos Fabricantes de Automóveis). RFI: Quais deveriam ser as prioridades da indústria europeia para que ela continue competitiva em relação à China? Sigrid de Vries: Em primeiro lugar, precisamos de bons carros, produtos competitivos, e acredito que nossos membros estão colocando isso no mercado. Agora, também em diferentes faixas de preço: carros pequenos, médios e grandes. Temos visto que eles estão sendo bem recebidos. Portanto, há uma disputa real, mas a competição na indústria automobilística não é algo novo, sempre houve muita concorrência. Os chineses estão fabricando carros muito bons, então existe, claro, esse elemento competitivo. O que precisamos da União Europeia é de ajuda para reduzir nossa base de custos, porque enfrentamos uma situação de desvantagem em relação aos fabricantes chineses. Pagamos mais caro pela eletricidade. Não há infraestrutura de recarga suficiente para tornar os carros elétricos atraentes para a maioria das pessoas na Europa. O mercado avança devagar demais, o que prejudica o bom funcionamento e também impede que alcancemos a escala necessária. E escala é essencial, tanto no mercado quanto na produção industrial, para reduzir custos. Esse é um grande tema no momento. RFI - E como você imagina que os custos de energia podem cair? A solução seria oferecer subsídios, como faz o governo chinês, mesmo sendo isso algo que muitos europeus criticam e que motivou a taxação de produtos chineses? Ou há outro caminho? SV - É uma questão muito complexa, ainda mais porque estamos vivendo uma transição energética. Trata-se de uma transformação sistêmica. Não acredito que subsidiar seja a solução mágica. Pode ajudar, por exemplo, a estimular a demanda do consumidor. Em qualquer transformação, é preciso ativar o mercado; depois de certo ponto, ele se torna autossustentável e os subsídios deixam de ser necessários. No caso da energia, é uma boa pergunta o que pode ser feito, porque produzir energia na Europa é caro. Precisamos de mais fontes renováveis, mas também é necessário garantir que o fornecimento de eletricidade seja constante, o que é um grande desafio. A rede elétrica precisa ser modernizada para garantir disponibilidade o tempo todo. Não posso dizer se isso deve ser feito via subsídios ou outras medidas, mas sabemos que é um grande problema, não só para a indústria automobilística, mas também para outros setores importantes da Europa. E precisa ser enfrentado, porque quando conversamos com empresas que querem construir fábricas de baterias na Europa, elas sempre citam dois grandes obstáculos para viabilizar economicamente seus investimentos: o primeiro é o preço da energia e o segundo é o tempo para conseguir licenças. As autorizações demoram demais. RFI - Nessa corrida, há o risco de que as metas de sustentabilidade fiquem em segundo plano diante da busca por competitividade? SV - Não, acredito que esses dois objetivos precisam caminhar melhor lado a lado. No momento, o principal foco é a descarbonização, mas é preciso ter uma indústria forte para alcançar as metas de descarbonização. Precisamos de mais pragmatismo, de uma checagem de realidade e de manter o pé no acelerador da transformação. No caso da indústria automotiva, o caminho principal é o da eletrificação. Mas, para chegar lá, precisamos mudar a forma de fazer essa transição, com mais pragmatismo e flexibilidade. Não podemos perder de vista as metas de descarbonização, mas precisamos dar mais importância à competitividade e à segurança econômica. Isso é essencial também para que as metas ambientais sejam atingidas. RFI - Nesse contexto, você acredita que há espaço para o hidrogênio e os combustíveis sintéticos? SV - Certamente há um papel para essas tecnologias, porque precisamos de todas as soluções possíveis para descarbonizar nossas economias. É provavelmente um papel mais de longo prazo, porque atualmente ainda é caro, a infraestrutura não está pronta e os custos são altos. Mas tudo começa com um modelo de negócio viável e um ambiente competitivo, e, a partir daí, pode funcionar. O elétrico é o caminho principal, então o hidrogênio e os combustíveis sintéticos devem ser usados em uma pequena parcela, especialmente nos carros novos. No entanto, hoje existem mais de 250 milhões de carros circulando na Europa, e eles também precisam ser descarbonizados. Portanto, é necessário agir também no lado dos combustíveis. RFI - A Alemanha apoia o acordo da União Europeia com o Mercosul, em grande parte pelos benefícios que ele pode trazer ao setor automotivo. Como você acha que esse acordo impactaria a indústria europeia como um todo? SV - É muito importante que esse acordo tenha recebido sinal verde. Acredito que ele será benéfico para a indústria automotiva dos dois lados. Vai impulsionar as exportações e fortalecer a colaboração entre os setores automotivos da Europa e do Mercosul. Hoje vemos uma tendência à desglobalização e ao protecionismo, mas acredito que abrir mercados de maneira justa beneficia a todos, não apenas as indústrias, mas também os consumidores, que têm acesso a melhores preços, mais competição e mais inovação. É algo positivo. Claro, precisa ser feito de forma cuidadosa, e o acordo com o Mercosul prevê uma redução gradual das barreiras comerciais, como normalmente acontece. Isso ajuda na adaptação, e no fim das contas é algo muito positivo. RFI - Esse acordo também é importante por causa do acesso a matérias-primas. Esse é um tema central quando falamos em carros elétricos e na indústria automotiva? SV - Sim, esse é outro aspecto fundamental que torna o acordo tão bom e oportuno. Precisamos de parcerias estratégicas para garantir o fornecimento de matérias-primas, e esse é um exemplo de que isso é possível, com benefícios claros para ambos os lados. É algo muito positivo e necessário.
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  • Crise política prolongada expõe França a risco de instabilidade financeira
    A França experimenta o quarto chefe de governo em pouco mais de um ano e, no horizonte, não há qualquer perspectiva para o fim da crise política. Na esteira deste impasse, uma crise econômica também se desenrola: o país paga consequências cada dia mais caras de um endividamento público que chega a 114% do PIB, o terceiro maior da zona do euro. Os gastos excepcionais com a pandemia de coronavírus e com o aumento da energia desde o início da guerra na Ucrânia colocaram Paris em uma espiral de insolvabilidade. Em 2024, o déficit francês chegou a 6% em 2024, o dobro do recomendado pela Comissão Europeia aos países do bloco. E isso sem que a França estivesse em recessão, salienta o economista Eric Heyer, diretor de análises e perspectivas do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE). “Faz dois anos que isso está sendo mal gerenciado. Estamos nos enganando sobre o planejamento dos nossos recursos: não temos receita suficiente, não foi o gasto público que aumentou tanto, em pontos de PIB”, disse, à RFI. “Foram as receitas que desmoronaram, e isso começa, pouco a pouco, a preocupar. Mas repito: preocupar, não entrar em pânico.” O maior impacto é na taxa de juros de títulos do Estado francês, que disparou a 3,5% a 10 anos, ultrapassando o índice cobrado da Itália. Na sequência, a agência Fitch rebaixou a nota soberana francesa, outro sinal de que uma avalanche pode estar próxima. Para a agência americana, o índice de confiança agora é de A+, um abaixo do anterior, AA-. Reações imprevisíveis A professora de Economia Anne Sophie Alsif, da Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, concorda que ainda é cedo para falar em crise financeira iminente – mas adverte para a imprevisibilidade dos mercados. “Sempre tivemos muita dificuldade de antecipar o pânico nos mercados com todas as crises de dívida”, ressalta. “Se a nossa crise política realmente se prolongar, se não conseguimos nos acertar para um orçamento, e se o nosso presidente renunciar, o que eu realmente espero que não aconteça, porque teremos uma crise política global, não posso dizer qual seria a reação dos mercados financeiros.” Olhar para o passado também não alivia a barra da França, na opinião de Anne Sophie Alsif. O país se beneficiou de anos de taxa de empréstimo próximos de zero ou até negativos, mas investiu pouco nos sistemas produtivos, que garantissem geração de crescimento econômico e empregos no futuro. O fosso da dívida se criou na base de “gastos ruins”, explica ela, sem qualquer previsão de retorno. “As despesas de planejamento do futuro estão sendo, mais uma vez, sacrificadas para financiar os gastos correntes. Enquanto isso, outros países, como os Estados Unidos, investem principalmente na produção para gerar crescimento”, compara. “Se estivéssemos com 3% ou 4% de crescimento, não estaríamos debatendo isso. Mas estamos longe, com 0,5%.” Orçamento bloqueado O impasse do Parlamento francês sobre o orçamento de 2026 acentua este cenário de incertezas. O último primeiro-ministro, François Bayrou, caiu por não conseguir apoio a um plano de economias de € 44 bilhões para combater o déficit. A França comprometeu-se com a Comissão Europeia de fazer um enxugamento de € 120 bilhões em cinco anos, mas até agora, o país foi incapaz de sinalizar como cumprirá esta promessa, destaca Eric Heyer, coautor de um relatório da OFCE sobre as finanças públicas francesas. “Ninguém está de acordo sobre qual trajetória deveremos fazer. Os partidos políticos não conseguem reconhecer a necessidade deste esforço e se acertar sobre em que ritmo ele será feito”, aponta o economista. Nas últimas semanas, o país voltou a debater o aumento da carga tributária dos ultrarricos para aumentar a arrecadação, mas a medida está longe de um consenso entre especialistas e a classe política francesa.
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  • França: volta de Imposto sobre a Fortuna não causaria debandada de ricos, indica estudo
    A crise política na França, que levou à queda do governo de François Bayrou, nesta segunda-feira (8), abriu um período de incertezas na segunda maior economia da União Europeia. O novo chefe de Governo, Sébastien Lecornu, terá o desafio de enfrentar o rombo do déficit público, que chega a 5,5% do PIB, e uma dívida no patamar de € 3,3 bilhões. A volta do Imposto sobre a Fortuna, abolido pelo presidente Emmanuel Macron, está sobre a mesa como uma das alternativas para preencher os caixas do Estado. O estopim da crise foi a proposta de Orçamento do primeiro-ministro para 2026, prevendo economias de € 44 bilhões. Um dos focos da insatisfação da oposição de esquerda é que o projeto não aumentava a participação dos ricos no esforço fiscal para o país reequilibrar as contas.  O Partido Socialista defende a adoção da "taxa Zucman", de autoria do economista Gabriel Zucman, que baseou as negociações sobre a taxação dos ultra-ricos no âmbito do G20 no Brasil, em 2024.Na França, o economista propõe taxar em 2% os patrimônios superiores a € 100 milhões – medida que atingiria 180 mil contribuintes e teria o potencial de arrecadar até € 20 bilhões no país, segundo o próprio Zucman.  Já a direita teme que a alta das taxas leve a uma debandada das grandes fortunas, afetando, justamente, a arrecadação. A receita dos conservadores passa por mais austeridade, privatizações e cortes no funcionalismo. O Tribunal de Contas francês, por sua vez, defende um equilíbrio entre as duas vias: redução de gastos e otimização fiscal, com o fim de algumas taxas e o aumento de outras. Um relatório do Conselho de Análise Econômica, instituição independente de pesquisas que orienta o gabinete do primeiro-ministro francês, esclarece alguns clichês sobre o tema. Conforme o estudo, apenas dois em cada 1.000 ricos deixam a França por ano devido à alta carga tributária. Nicolas Grimprel, economista da entidade, explicou à RFI que o impacto da alta dos impostos varia conforme a origem da riqueza. “Tem diversos tipos de ‘alta renda’: a que vem majoritariamente do capital, em especial capital imobiliário ou financeiro, e tem a alta renda de outras fontes, como a renda do trabalho. A sensibilidade aos impostos nessas pessoas pode ser diferente”, disse. Fraca mobilidade dos ricos O principal alvo do Imposto sobre Fortuna seria a renda do capital – e estes ricos se movem pouco, aponta o relatório, tanto na comparação com a população em geral, quanto em relação aos ricos cuja renda é do trabalho. “As pessoas com patrimônio elevado tendem a ter mais idade, o que ajuda a explicar a fraca mobilidade delas, mas também o tipo de patrimônio em si, que pode ter um laço direto com o lugar onde elas moram. Não é tão fácil se mudar para o exterior quando você tem renda do capital na França, ou imóveis, ou empresas”, salientou Grimprel. O Conselho de Análise Econômica verificou se os choques fiscais dos últimos 15 anos puderam acelerar esse movimento. A reforma fiscal de 2012 e 2013 subiu a carga tributária dos ricos, mas a de 2017 não apenas rebaixou as taxas, como substituiu o Imposto sobre a Fortuna por um focado apenas no patrimônio imobiliário. Nível de impostos afasta ou atrai, mas em baixas quantidades A conclusão é que os ricos são, sim, sensíveis às mudanças fiscais. Entretanto, como representam um número limitado de contribuintes, o aumento do chamado exílio fiscal foi marginal. “Nós concluímos que, a longo prazo, o aumento de 1% do imposto de renda levaria a um exílio fiscal de entre 0,02 e 0,23% da população atingida por essa alta, ou seja, o 1% de franceses com alta renda, principalmente oriunda do capital. No pior dos casos, portanto, seriam 900 contribuintes, de um total de 400 mil”, detalhou. “A ordem de grandezas é bem baixa.” Depois de 2017, houve um movimento de retorno de afortunados ao país, constatou Grimprel. “Mas, mais uma vez, isso representa, em valores absolutos, algumas centenas de famílias. Continua sendo pouca gente, afinal este fluxo é naturalmente baixo, nesta população”, frisou.   Em um contexto de dívida pública alta e crescimento econômico estagnado, estimado em 0,7% em 2025, o economista Antonin Bergeaud, especialista em inovação e professor da respeitada HEC (Escola de Altos Estudos de Comércio), avalia que a França dificilmente poderá escapar de novos aumentos de impostos, se quiser evitar uma piora ainda maior da atual conjuntura.   “Quando temos uma produtividade estagnada e queremos ganhar margem no orçamento, não temos 50 soluções diferentes: precisamos ou aumentar o tempo de trabalho – o que foi tentado, mas tem um custo político muito grande –, ou diminuir a sangria, subindo os impostos. O objetivo é encontrar soluções de financiamento que sejam justas em relação ao aumento do tamanho da nossa economia”, explicou.  “Agora, chegamos um pouco ao fim do túnel e estamos limitados. Estamos vendo que não será mais possível continuar investindo como antes”, advertiu. Em julho, o Senado francês, dominado pela direita centrista, rejeitou um projeto de criação da taxa Zucman no país, apresentado pelos ecologistas. Nas últimas semanas, o imposto voltou ao debate político ao ser incluído na contraproposta de Orçamento do Partido Socialista, em meio às negociações para evitar a queda do governo do primeiro-ministro François Bayrou.    Leia tambémParlamento francês derruba 4° governo em dois anos e Macron terá que nomear novo primeiro-ministro
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  • ‘Tsunami branco’: Península Ibérica é porta de entrada de cocaína na Europa
    Após sucessivos recordes de apreensões de drogas nos últimos anos, a Península Ibérica se consolida como uma das portas de entrada de entorpecentes na Europa. A rota, que já era conhecida das autoridades pelo tráfico de cannabis do Marrocos, transformou-se em um canal para as importações de cocaína provenientes da América do Sul. Em 2023, foram apreendidas na Espanha 142 toneladas da droga, contra 59 toneladas no ano anterior. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris Enquanto os cartéis mexicanos buscam mercado na América do Norte, os que atuam na Tríplice Fronteira, formada por Brasil, Paraguai e Argentina, focam na clientela dos países europeus, explica Olavo Hamilton, pós-doutor em Direito na Universidade de Brasília. "A localização geográfica, principalmente do nordeste do Brasil em relação à Europa, facilita essa nova rota, principalmente de cocaína, para a França, para a Europa Central e para o norte da Europa", diz. "Geralmente essa droga parte por via marítima ou aérea. A entrada na Europa é pela Península Ibérica, onde você tem grandes portos e há uma facilidade linguística e de comunicação entre os traficantes", completa. "Tsunami branco" "Um tsunami branco", compara o ministro do Interior francês Bruno Retailleau, preocupado com "a ameaça existencial" que este tráfico representa para a França. O "Escritório Central de Repressão ao Tráfico de Drogas" francês calcula que 200 mil pessoas atuem no tráfico de drogas no país, onde as apreensões de cocaína atingiram um recorde nos seis primeiros meses do ano: 37,5 toneladas contra 25,8 toneladas, no primeiro semestre de 2024, representando um aumento de 45%.  Olavo Hamilton explica porque o combate ao tráfico de cocaína é tão difícil. "Na década de 1980, o tráfico de cocaína era concentrado em poucos cartéis, organizações muito fáceis de identificar. Hoje, você tem uma rede maior de tráfico de drogas e esse poder é muito descentralizado", afirma. "Às vezes, em um estado do Brasil você tem até oito facções atuando todas na distribuição de drogas. É impossível combater o tráfico vindo dessas organizações pulverizadas na América Latina inteira", conclui.   Se o número de pontos de venda física de drogas caiu no território francês para 2.729, em comparação com 4.034 no fim de 2020, outras estratégias permitem escoar a mercadoria, incluindo o uso de apartamentos para aluguel de curta temporada e sistemas de cofres escondidos com chaves contendo drogas.  A queda de preços, resultado do aumento da produção, e a entrega mais fácil e abrangente por aplicativos também explicam os números recordes. "Antes, o tráfico de drogas era geralmente controlado por poucas famílias. Hoje, temos uma proliferação de locais de venda de drogas", analisa Marie Jauffret-Roustide, socióloga do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica. "Estudos disponíveis mostram que esse aumento do número de traficantes intensificou a violência associada às drogas, visto que há muito mais disputas pela manutenção do mercado", acrescenta.  Violência ligada ao tráfico de drogas cresce na França Na França, a violência ligada ao comércio ilegal de entorpecentes tem aumentado em cidades de médio porte. No ano passado, houve 367 homicídios ou tentativas de homicídios relacionados ao narcotráfico, em 173 cidades.  A criminalidade levou as autoridades do Gard, no sul do país, a implementarem medidas como toque de recolher em alguns bairros da cidade de Nîmes.  Para a pesquisadora Marie Jauffret-Roustide, combater as drogas exige enfrentar a desigualdade social. "Se combatêssemos as desigualdades sociais e de saúde, oferecendo a esses jovens a oportunidade de se integrarem à sociedade e acessarem empregos formais, é claro que eles escolheriam essas profissões em vez de entrarem para o tráfico de drogas", diz. "Há realmente muito trabalho a ser feito sobre a questão das desigualdades sociais em bairros populares", completa. PCC na Europa Entre diversas redes que operam para controlar esse comércio lucrativo, a organização mais conhecida é o PCC brasileiro, o Primeiro Comando da Capital, apontado como responsável pela onda de cocaína que invadiu a Europa nos últimos anos.  De uma tonelada de folha de coca, extrai-se aproximadamente um quilo de cocaína pura, que será vendida por US$ 35 mil na Europa, segundo investigação do jornal argentino La Nación. Leia tambémGarimpo e tráfico são foco de viagem de Macron à Guiana Francesa, onde Comando Vermelho e PCC ganham terreno A organização, que conta com mais de 100 mil membros, também estabeleceu ligações com a Ndrangheta calabresa, máfias do Leste Europeu e a máfia nigeriana Black Axe. De acordo com os cálculos do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) ligado ao Ministério Público Federal no Brasil, o tráfico de drogas rende ao PCC quase R$ 4,9 bilhões por ano.   O combate ao crime organizado na Tríplice Fronteira enfrenta dificuldades como a falta de recursos e a corrupção de muitos políticos, agentes de alfândega e policiais, além da escassez de efetivo.  França intensifica a repressão Na França, uma lei aprovada em junho prevê uma série de medidas repressivas para os envolvidos com o tráfico de drogas. Para incentivar a denúncia de redes criminosas, réus processados por crimes violentos agora podem ter suas penas reduzidas em até dois terços. A proteção de vítimas e testemunhas foi reforçada. Inquilinos envolvidos no tráfico de drogas poderão ser despejados mais facilmente. As autoridades também aumentaram a repressão a conteúdo online relacionado à venda de drogas. Além disso, presídios de segurança reforçada estão sendo construídos para receber traficantes. 
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Entrevistas com economistas, analistas de mercado, investidores e políticos, para explicar e comentar questões econômicas internacionais. O papel do Brasil e dos países emergentes na economia mundial.
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