Powered by RND
PodcastsUm pulo em Paris

Um pulo em Paris

Um pulo em Paris
Último episódio

Episódios Disponíveis

5 de 24
  • Escândalo de pedofilia abala escola católica e governo francês em meio à despedida do papa Francisco
    A morte do papa Francisco provocou intensas reações na França. Enquanto muitos fiéis afirmam que sentirão falta de seu pontificado, católicos mais conservadores rapidamente viraram a página e esperam pela eleição de um sucessor alinhado às suas ideias no próximo conclave. O falecimento de Jorge Mario Bergoglio também ocorre num contexto particular: a França enfrenta o maior escândalo de pedofilia já registrado envolvendo a Igreja Católica no país. De um lado, admiradores das ideias progressistas de Francisco expressaram gratidão e admiração por sua coragem ao abordar temas polêmicos para a Igreja, como a tolerância em relação aos homossexuais, a defesa do direito à comunhão para casais divorciados, a promoção da ecologia integral como parte da doutrina social da Igreja, a atenção constante às populações vulneráveis, as críticas aos excessos do capitalismo e à perda do espírito de fraternidade. Por outro lado, entre os católicos integristas franceses, sua morte foi recebida com alívio.O jornalista de extrema direita Eric Zemmour, ex-candidato à presidência em 2022, afirmou que, para alguns católicos, o pontificado de Francisco foi percebido como um fardo, uma provação por aqueles que ainda mantêm fé na Igreja. Outro ex-presidenciável nacionalista, Philippe de Villiers, disse que Francisco era um papa "woke" que via com bons olhos uma islamização da Europa, o que é uma narrativa falaciosa, mas propagada por conspiracionistas de extrema direita. O papa defendia a tolerância religiosa com os muçulmanos e o diálogo entre religiões. A França é um país onde a defesa da laicidade, da separação entre Igreja e Estado, é muito forte. Por isso, o presidente Emmanuel Macron está sendo criticado por participar do funeral do papa no Vaticano, no sábado (26). Vários políticos de esquerda argumentam que a presença do chefe de Estado em um evento religioso pode ser vista como uma contradição ao princípio de laicidade, inscrito no primeiro artigo da Constituição Francesa. No entanto, outros defendem que a participação de Macron é um gesto diplomático e simbólico, considerando a relevância global do papa Francisco e seu impacto além da esfera religiosa. Deputados de esquerda apontaram a incoerência de Macron e da primeira-dama Brigitte estarem presentes na Praça de São Pedro, enquanto ele nunca participou, nem sequer cogitaria participar, de uma cerimônia em homenagem a um líder religioso muçulmano, judeu ou budista.O chefe do governo francês, François Bayrou, também está sendo criticado por ter decidido que amanhã as bandeiras francesas ficarão a meio mastro em homenagem ao papa. Muita gente lembrou que quando o papa João Paulo 2° morreu, em 2005, e Bayrou exercia um mandato parlamentar, ele criticou o então primeiro-ministro por colocar as bandeiras a meio mastro e ferir um princípio constitucional.Novo escândalo de pedofilia na Igreja francesaHá quatro meses no cargo, a sobrevivência política de Bayrou depende dos deputados de direita e centro, em sua maioria ligados ao eleitorado católico. Mas ele já está desgastado por um escândalo relacionado com a Igreja francesa. Pai de seis filhos, o premiê francês educou os filhos em um colégio católico nos Pirineus, chamado Notre Dame de Bétharram. Nos últimos meses, mais de 200 ex-alunos dessa escola denunciaram à Justiça terem sofrido violência física e abusos psicológicos e sexuais cometidos por padres e ex-funcionários do colégio, entre 1950 e 2010, ou seja, durante seis décadas. A mulher do atual primeiro-ministro trabalhava como professora de catecismo no estabelecimento e nunca denunciou a hierarquia à Diocese. Para completar, a filha mais velha do casal, Hélène Perlant, lançou um livro nesta semana em que detalha o grau de violência que reinava nessa escola católica e o episódio em que foi espancada por um padre, quando tinha 14 anos, durante uma viagem escolar. Ela afirma que nunca contou esse incidente ao pai, que tem longa carreira política.A quantidade de denúncias de ex-alunos é tão expressiva que o "caso Bétharram" já é considerado o maior escândalo de pedofilia ligado à Igreja Católica na França.Batismos em altaEmbora se tenha ouvido nos últimos dias duras críticas a respeito de o papa não ter ido longe o suficiente no combate à pedofilia na Igreja, o número de franceses adultos que decidem se batizar está em alta há alguns anos. O período da Páscoa é o preferido para a organização desse tipo de cerimônia nas igrejas. Uma pesquisa publicada na quarta-feira (23) pela Conferência Episcopal Francesa apontou um aumento de 45% nos batismos de adultos em 2025, principalmente na faixa etária abaixo de 25 anos, e de 33% entre adolescentes, em relação ao ano passado. No total, 10.384 adultos receberam o batismo na semana da Páscoa, e o número de batizados entre 18 e 25 anos superou o de pessoas entre 26 e 40 anos.O Episcopado francês atribui esse súbito ganho de interesse pela Igreja a um desejo de esperança em um mundo caótico e também a uma busca de pertencimento, de fazer parte de uma comunidade de pessoas com valores semelhantes. As redes sociais também desinibiram os jovens franceses para falar de fé, com vários influenciadores seminaristas e freiras, envolvidos com o proselitismo religioso.
    --------  
  • Mais da metade dos franceses afirma diminuir consumo de carne bovina
    Um estudo do instituto Opinion Way divulgado nesta quinta-feira (17) aponta que 53% dos franceses estão consumindo menos carne. Os motivos são três: o preço do produto, a preocupação com o meio ambiente e a causa animal. A pesquisa foi realizada a pedido da empresa Charal – uma das gigantes do setor agroalimentar na França – e confirma uma mudança nos hábitos alimentares da população francesa. A queda não diz respeito apenas à frequência do consumo de carne bovina, mas também na diminuição das porções. Outras pesquisas ainda apontam para uma redução de peixes, aves e de produtos de origem animal.Segundo o Opinion Way, a queda no consumo de carne bovina na França é mais pronunciada nas faixas etárias dos 45 aos 60 anos e dos 61 anos para cima. Ela é mais estável nas faixas etárias dos 26 aos 44 anos e dos 18 aos 25 anos, porque a população mais jovem já tem o hábito de consumir menos produtos de origem animal. O estudo também aponta que metade dos jovens da faixa etária dos 18 aos 25 anos não gosta mais de carne bovina.O estudo também traz outros dados sobre os hábitos alimentares dos franceses. No total, 67% das pessoas ouvidas pelo Opinion Way são onívoras, 24% são flexitarianas e 5% são vegetarianas ou veganas. Os maiores consumidores de carne bovina estão na faixa etária a partir dos 61 anos.Preço, causa ambiental e animalOs motivos que explicam a diminuição do consumo de carne bovina na França também variam conforme a faixa etária. A partir dos 45 anos, a queda ocorre devido ao aumento dos preços.Em média, o quilo da carne de gado na França custa € 14 (R$ 91). Em 2024, o valor do produto registrou um salto de quase 10% e neste ano a previsão é de um aumento entre 10% e 20%.O balanço do Opinion Way também ressalta que faixas etárias superiores valorizam produtos de maior qualidade. Desta forma, a partir dos 45 anos, os consumidores preferem sacrificar a quantidade em prol da compra de carnes mais nobres.Já entre as faixas etárias mais jovens, a diminuição é motivada pela causa ambiental e animal. Segundo a pesquisa, 50% dos entrevistados da faixa etária dos 18 aos 25 anos dizem que diminuíram o consumo de carne bovina por causa dos prejuízos ao meio ambiente relacionados à criação de gado. Além disso, 48% dos entrevistados mais jovens se opõem ao tratamento dado aos animais nas fazendas.É possível ser saudável sem comer carne?Para o endocrinologista e nutricionista Boris Hansel, do hospital Bichat, em Paris, é possível ser saudável sem comer carne vermelha. Em entrevista à Franceinfo, ele ressalta que peixes, ovos e produtos de origem vegetal podem suprir a necessidade de proteína. “A ideia não é de se proibir de comer carne, mas de saber que podemos viver sem”, defende."A carne é uma fonte importante de proteína e, se não a consumimos, é preciso compensar com outras fontes de proteína", acrescenta o nutricionista.O especialista também lembra que comer muita carne vermelha representa um alto risco de desenvolver câncer colorretal. Por isso, ele recomenda limitar o consumo a menos de 500 gramas por semana: “Carne vermelha pelo prazer, sim; carne vermelha pela saúde, não”, salienta.Nos últimos 20 anos, a queda do consumo de carne bovina na França foi de 19%. Nos anos 1980, a média de consumo por pessoa adulta era de 100 quilos por ano. Atualmente, a média é de pouco mais de 83 quilos por ano.A mudança nos hábitos dos franceses também leva o setor do agroalimentar a se adaptar, revendo estratégias. Algumas empresas estão transformando a sua forma de produção para demonstrar respeito às normas ambientais e à causa animal. Já outras veem uma oportunidade para diversificar, investindo, por exemplo, no setor da proteína vegetal ou em produtos veganos.
    --------  
  • Radicalismo de Donald Trump cria desconfiança inédita de europeus nos Estados Unidos
    A guerra comercial do presidente americano, Donald Trump, tem ampliado o boicote de produtos americanos na França. As reservas de viagens para os Estados Unidos neste verão, em julho e agosto, para Nova York, Los Angeles e São Francisco, caíram de 23% a 26% em relação ao ano passado. O aumento dos preços das passagens aéreas influi nesse recuo, mas as tensões geopolíticas, a guerra comercial e a atitude de desprezo de Trump pelos europeus abriu um fosso entre as duas regiões.  O movimento anti-Trump e de boicote aos Estados Unidos já tem alguns meses. Começou desde que o republicano se aproximou do presidente russo, Vladimir Putin, cedendo às pressões de Moscou nas negociações para um cessar-fogo na Ucrânia, em condições desfavoráveis aos ucranianos – sem resultados até o momento –, e só foi piorando com as repetidas humilhações aos europeus, chamados de "aproveitadores" e "parasitas" pela equipe de Trump, do vice J.D. Vance, ao secretário da Defesa, Pete Hegseth, e Elon Musk. Na segunda quinzena de março, antes da tempestade tarifária, uma pesquisa Ifop já mostrava que 62% dos franceses apoiavam o boicote aos produtos americanos, e 32% estavam evitando certas marcas, como Coca-Cola, McDonald's, Tesla e Starbucks. Essa reação pode ser questionada, uma vez que essas empresas também geram empregos na França. Mas a rejeição é fortalecida por uma outra tendência: a do consumo responsável. Atualmente, 81% dos franceses preferem consumir produtos locais para apoiar a economia francesa e a transição ecológica.É curioso que a taxa de boicote chega a 51% entre pessoas que se declaram "muito feministas" e 55% entre aquelas que se definem como "muito progressistas" em questões sociais. Outro sinal de boicote: as reservas de viagens para os Estados Unidos neste verão, em julho e agosto, recuaram. Todos perdem com essa crise, a começar pelos americanos, que além da ameaça de inflação agora percebem uma outra consequência: os Estados Unidos estão perdendo a posição de economia mais segura do planeta. O aumento dos juros dos títulos da dívida (US$ 29 trilhões), desde quarta-feira (9), demonstra o abalo estrutural na confiança dos investidores pelos ativos americanos e no próprio dólar como reserva de valor. Alemanha começa a repatriar reservas de ouro dos EUAA Alemanha e outros investidores europeus estão repatriando as reservas de ouro que mantêm no banco central americano (Federal Reserve), por perda de confiança e pelo temor de decisões arbitrárias de Trump na área jurídica. O republicano voltou atrás e suspendeu por 90 dias as tarifas adicionais que tinha imposto à União Europeia. Ele baixou de 20% para 10%, no mesmo dia em que elas entraram em vigor. Mas aço, alumínio e veículos continuam com 25% de sobretaxas. Para os governos europeus, essa decisão não representa um recuo de Trump, mas talvez só uma forma dele atacar com mais virulência no futuro.O presidente Emmanuel Macron fez esse alerta nesta sexta-feira: serão três meses de profunda incerteza para as empresas e nenhuma garantia. A União Europeia deve continuar trabalhando em futuras retaliações, disse Macron. Apesar do pessimismo generalizado, a maioria dos analistas franceses aprovaram a reação moderada da União Europeia, que, sem entrar numa escalada, taxou alguns produtos americanos, e suspendeu em seguida quando Trump se mostrou disposto a negociar. A imagem da UE como um bloco dividido, incapaz de agir unido e lento na tomada de decisões está melhorando, por obra do Trump. Desta vez, a Comissão Europeia antecipou os cenários e tudo está bem amarrado com os líderes dos 27 países. Na segunda-feira (14), o secretário europeu do Comércio, o eslovaco Maros Sefcovic, vai a Washington negociar as tarifas. Os europeus já aceitaram pagar mais caro pelo gás liquefeito importado dos EUA, uma cobrança de Trump para reequilibrar a balança comercial. Atualmente, a Europa ainda precisa dessa fonte de energia, mas essa despesa tende a diminuir com o avanço da transição energética. Pouco importa se a primeira-ministra de extrema direita da Itália, Georgia Meloni, vai aparecer durante a semana posando ao lado de Trump, na Casa Branca. Meloni não tem meios de romper com a unidade dos europeus nesse momento.Enxurrada de produtos chineses no blocoA Comissão Europeia está bastante preocupada com a possível enxurrada de produtos baratos provenientes da China. No ano passado, só na França, os sites chineses Shein e Temu faturaram juntos cerca de R$ 32 bilhões (€ 4,8 bilhões), equivalentes em número de remessas ao dobro de 2023 e três vezes mais do que 2022. Até agora, o maior mercado desses varejistas era os Estados Unidos, com vendas estimadas em US$ 46 bilhões. Mas com a sobretaxa americana de 145% sobre as importações chinesas, e a retaliação de 125% do governo chinês, a União Europeia e seus 450 milhões de consumidores se tornam um mercado estratégico para Pequim. Há dois anos, os europeus negociam com a China o fim de uma isenção alfandegária para remessas inferiores a R$ 1.000 (€ 150). A medida vai na mesma linha da "taxa das blusinhas" de Trump. Enquanto esta isenção não desaparece, a UE promove investigações e aplica multas a essas plataformas chinesas por falsificação de produtos e descumprimento de regras de segurança.O principal objetivo da Comissão é tratar de forma global o excedente industrial chinês, seja em relação aos carros elétricos, painéis solares, remédios, às torres eólicas ou máquinas industriais. Na terça-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já conversou por telefone sobre o assunto com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang. As rodadas de diálogo continuarão até a Cúpula China-UE, prevista em junho.Ilha de democraciaNesse momento de mudança na ordem geopolítica internacional, muitos se questionam se pode haver uma maior aproximação da UE com a China. Nesta sexta, o presidente Xi Jinping defendeu que Pequim e o bloco europeu devem "resistir juntos" a qualquer coerção unilateral dos Estados Unidos. Mas a possibilidade de um estreitamento das relações entre europeus e chineses é complexa e depende de vários fatores. O apoio econômico e diplomático da China à Rússia na guerra na Ucrânia não é aceito pela opinião pública na Europa. O desequilíbrio de balança comercial entre a China e o bloco é gigantesco, mas juntos os 27 países ainda são a terceira região mais rica do mundo. Questões de direitos humanos e transparência continuam sendo barreiras para uma aliança mais profunda. Os europeus acreditam que, apesar do momento difícil que estão atravessando, o mais grave desde o fim de Segunda Guerra Mundial, o bloco ainda é uma região com forte potencial de recuperação de competitividade, por causa de um de seus principais ativos: a democracia. Entre os desvarios de Trump e sociedades controladas por governos autoritários, como é a China, os europeus pretendem manter sua atratividade pela estabilidade de regras.
    --------  
  • Noção de 'controle coercitivo' é inscrita em novo projeto de lei contra violências sexuais na França
    O Senado francês aprovou na quinta-feira (3) um novo projeto de lei contra as violências sexuais e sexistas, que menciona, pela primeira vez, a noção de “controle coercitivo” que se refere a tipos de abusos emocionais em um casal. O texto suscita um debate na França sobre um tipo de agressão considerada o ponto de partida para feminicídios. Daniella Franco, da RFIOs senadores franceses aprovaram por unanimidade o texto que tem por objetivo reforçar a luta contra as violências sexuais e sexistas. O projeto de lei, de autoria da deputada Aurore Bergé, do partido governista República em Marcha, foi criado na esteira do julgamento da francesa Gisele Pélicot, sedada e abusada pelo marido e por dezenas de desconhecidos que ele recrutava na internet. Já a emenda relativa ao controle coercitivo foi adicionada por iniciativa da deputada centrista Sandrine Josso, vítima de submissão química por parte de um senador francês, Joel Guerriau, em 2023.Apesar da sensibilização da opinião pública sobre a questão, e do apelo de organizações feministas e especialistas em violências domésticas, os senadores retiraram do texto o termo “controle coercitivo”, mantendo apenas a definição deste tipo de abuso. Desta forma, o novo projeto de lei prevê punir “comportamentos repetitivos que tenham como objetivo (…) restringir gravemente a liberdade de ir e vir da vítima”, através de “ameaças ou pressões psicológicas, econômicas ou financeiras”.Os senadores consideram que o conceito sociológico do controle coercitivo é “evolutivo” por natureza, o que pode complicar a interpretação da legislação. Por isso, o Senado francês preferiu não considerar esse tipo de violência como uma infração autônoma. No entanto, ele cita os tipos de abusos emocionais que podem ocorrer em relações conjugais e que são passíveis de punição.As penas previstas no novo projeto de lei para essas agressões vão de três anos a cinco de prisão e entre € 45 mil e € 75 mil de multa (equivalente a R$ 285 mil e 480 mil). O texto ainda volta para a Assembleia de Deputados para uma última leitura antes de ser promulgado e virar lei.Controle coercitivo: conceito que data dos anos 1950Há várias formas de definir o controle coercitivo, que dizem respeito a uma série de táticas que um agressor exerce sobre a vítima, com o objetivo de isolar, degradar, humilhar e ameaçar. Esse abuso psicológico pode ocorrer em diversos tipos de relações, mas é muito mais recorrente em casais.A expressão “controle coercitivo” foi criada em 1957 nos Estados Unidos pelo pesquisador em psicologia social Albert Biderman, para descrever métodos usados com prisioneiros americanos durante a guerra da Coreia. Alguns anos depois, a ideia começou a aparecer na literatura feminista dos anos 1970. Mas a noção de controle coercitivo em relações conjugais abusivas só se tornou uma teoria em 2007, com o sociólogo americano Evan Stark, especialista no combate às violências domésticas.Estudos mostram que o controle coercitivo é a porta de entrada para outras agressões em relações conjugais. A psicóloga e pesquisadora francesa Andreea Gruev-Vintila, defende que esse tipo de abuso é “o precursor de feminicídios, suicídios forçados e de homicídios de filhos e filhas”.Em entrevista à France Info, a advogada Pauline Rongier, especialista em violências contra as mulheres, acredita que a inserção do conceito de controle coercitivo na lei permitirá à sociedade conhecer melhor o fenômeno e às vítimas a se darem conta mais rapidamente desse abuso para poderem agir de forma eficaz.Atualmente a França conta com 271 mil vítimas de violências domésticas, segundo um balanço do jornal Le Monde publicado nesta semana: 85% delas são mulheres. No ano passado, o país registrou ao menos 92 feminicídios. Em 9 de cada 10 assassinatos de mulheres por maridos, companheiros ou namorados, a situação de controle coercitivo já existia antes da morte.Países pioneiros na criminalização do controle coercitivoA Inglaterra e o País de Gales foram os primeiros a criminalizar o controle coercitivo, em 2015. Depois foi a vez da Escócia, em 2018. Nos Estados Unidos, Havaí e Massachusetts inscreveram o controle coercitivo em suas legislações, em 2020 e 2024, respectivamente. A Austrália também conta com dois estados que punem por lei esse tipo de abuso desde o ano passado, New South Wales e Tasmânia.Na Europa, a Bélgica também inseriu a noção do controle coercitivo em sua lei contra as violências sexuais e sexistas, mas sem considerá-lo um delito autônomo.Apesar de os britânicos terem sido pioneiros na questão, o combate ao controle coercitivo no país ainda deixa a desejar, com poucas condenações por esse motivo. Na Escócia, apenas 6% dos casos relacionados à violência doméstica são processados com base nele.
    --------  
  • Julgamentos de Sarkozy e Marine Le Pen inflamam narrativas populistas e incitam ataques à Justiça
    A Justiça vem sendo atacada por movimentos populistas de extrema direita em vários países, Brasil, Estados Unidos e Israel, para citar alguns. A França não escapa dessa retórica construída para desqualificar as decisões de juízes e procuradores, tomadas à luz da lei, mas deturpadas como se fossem "condenações políticas". Juízes franceses, geralmente reservados por dever profissional, têm apontado campanhas de desinformação a respeito deles nas redes sociais, com a publicação dos endereços onde moram, às vezes acompanhados de chamados à violência física e à vingança por decisões que desagradaram uma minoria de pessoas. Atualmente, há 20 juízes sob proteção policial na França, depois de receberem ameaças de morte. Alguns casos são relacionados com sentenças aplicadas contra o crime organizado e o tráfico de drogas, mas uma parte deles é difamada pela atuação em processos que envolvem políticos.Essa pressão sobre o Judiciário, que desafia garantias constitucionais de independência dos poderes, se intensificou e, hoje, é considerada uma ameaça à democracia e ao Estado de Direito.Veredicto para Marine Le PenAtualmente, a líder de extrema direita francesa, Marine Le Pen é julgada por desvio de verbas públicas. Os juízes desse processo têm recebido ameaças de morte há alguns meses. Na segunda-feira, 31 de março, Marine Le Pen conhecerá o veredicto de uma ação penal em que ela, seu partido Reunião Nacional (RN) e 24 integrantes da sigla são acusados de ter desviado verbas destinadas à bancada da legenda no Parlamento Europeu, para o pagamento de despesas de funcionamento do partido na França, durante 12 anos, o que é ilegal. Esse desvio de milhões de euros de prejuízo ao Parlamento Europeu já foi em parte reembolsado pelo partido de Marine Le Pen, em um reconhecimento implícito de culpa. A Justiça francesa abriu uma investigação à parte, descobriu outras irregularidades e agora pode condenar Marine Le Pen a cinco anos de prisão, acompanhados de inelegibilidade com execução imediata da pena, mesmo se ela apresentar um recurso contra a condenação, o que a impediria de disputar a eleição presidencial de 2027. Como acontece no Brasil com bolsonaristas descontentes com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro réu por tentativa de golpe de Estado, na França os militantes do partido de Le Pen acusam a Justiça local de tentar influenciar o processo eleitoral. Durante os interrogatórios, a juíza titular do caso, Bénédicte de Perthuis, insistiu em obter respostas claras de Marine Le Pen sobre o pagamento dos salários desses colaboradores, mas ela se esquivou de fornecer os esclarecimentos, repetindo várias vezes a mesma versão, de que não havia feito nada de ilegal. Le Pen desviou a atenção do público das acusações, para sinalizar uma suposta politização da Justiça. Narrativas manipuladas inflamam as redes sociaisEssa tática da extrema direita de questionar as decisões de juízes é vista em vários países. Entre ultraconservadores e políticos de perfil autoritário virou regra bater na Justiça, minar a confiança dos eleitores na instituição por meio de campanhas de difamação e desinformação na internet, desviar a atenção da gravidade das acusações e das provas recolhidas nos inquéritos, para o réu se apresentar como vítima de perseguição política. A incitação à vingança contra os juízes é uma consequência dessas narrativas manipuladas. Um grupo de militantes de Le Pen que defendeu em um chat na internet "atirar na nuca dos juízes do caso", ou seja, promover execuções sumárias, está sendo investigado. Um agravante inesperado nesse caso foi o atual primeiro-ministro de centro-direita, François Bayrou, também processado no passado por empregos-fantasma em seu partido, ignorar o princípio de separação dos poderes e considerar o julgamento contra Marine Le Pen "injusto". Os juízes franceses ficaram furiosos com essa postura do chefe do Executivo.Sarkozy cai na teia das próprias contradiçõesNa quinta-feira (27), a Justiça francesa pediu sete anos de prisão contra o ex-presidente de direita Nicolas Sarkozy em um caso de corrupção. O Ministério Público e os juízes do processo também sofreram pressões.Sarkozy defende sua inocência desde o início do julgamento e considerou a pena requisitada "escandalosa" e "violenta". Ele se sente perseguido pela Justiça, apesar de ser suspeito de ter armado "um pacto de corrupção" com o ex-ditador líbio Muammar Kaddafi para financiar sua campanha presidencial de 2007. Para os procuradores do caso, todos os crimes pelos quais Sarkozy está sendo julgado, desde janeiro, foram comprovados: corrupção, encobrimento de desvio de dinheiro público, financiamento ilegal de campanha e associação criminosa. A Procuradoria Financeira de Paris trabalha para recolher provas sobre esse caso, revelado pelo site de jornalismo investigativo Médiapart, desde 2013, depois do fim do mandato presidencial e de Sarkozy ter perdido a imunidade do cargo. No ano seguinte, quando descobriu que estava com um telefone grampeado pelos investigadores, Sarkozy publicou um artigo num jornal comparando os métodos dos juízes franceses aos da Stasi, a polícia secreta comunista da ex-Alemanha Oriental. Políticos de direita reagem com frequência da mesma forma: a Justiça "é de esquerda", "comunista", "vermelha". O pedido dos investigadores para instalar a escuta foi motivado por indícios concretos e cumpriu os requisitos legais.Esses ataques para desacreditar o Judiciário e transmitir uma ideia de parcialidade têm sido banalizados. Sarkozy já foi condenado, em outro caso, a um ano de prisão por corrupção, pena que cumpre em casa com uma tornozeleira eletrônica. Centenas de ameaças por anoO Ministério da Justiça francês registra, em média, 150 ameaças a juízes nos tribunais por ano. O Tribunal de Bobigny, no subúrdio de Saint-Denis, na região parisiense, documentou nos últimos três anos um aumento das tentativas de agressão nas salas de audiência. Alguns casos se tornaram famosos. Em 2022, depois do presidente de um tribunal anunciar a condenação de um réu, cerca de 30 pessoas que estavam na sala, entre elas a mãe e a irmã do acusado, voaram para cima dos policiais que faziam a segurança do réu para tentar soltá-lo na marra.Houve também o substituto de um promotor que foi alvejado com um sapato na cabeça enquanto apresentava as alegações finais de acusação. Além do caso de uma juíza da Vara da Infância que teve parte do couro cabeludo arrancado por uma mãe que discordou da decisão judicial ao encontro da filha dela. Magistrados franceses têm alertado que a polarização permanente nas redes sociais, as teorias da conspiração e campanhas de difamação instrumentalizadas contra o Judiciário, para além da crítica legítima, criam uma atmosfera de desconfiança que sai do controle, pondo em risco princípios básicos da democracia.
    --------  

Sobre Um pulo em Paris

Direto da redação da Rádio França Internacional em Paris, em parceria com a Rádio CBN, Adriana Moysés e Daniella Franco contam as novidades e curiosidades de um dos lugares mais visitados do mundo.
Site de podcast
Aplicações
Social
v7.16.2 | © 2007-2025 radio.de GmbH
Generated: 4/30/2025 - 6:01:07 AM