Rulfo constrói o retrato definitivo do que acontece quando ausência total de Estado de Direito permite que poder privado opere com violência absoluta, mostrando Pedro Páramo como força de aniquilação que governa Comala através de capricho pessoal em um território transformado em zona de exceção permanente. A narrativa fragmentada espelha a desintegração institucional onde não há leis funcionais, apenas fragmentos de trauma e memória distorcida, revelando como coronelismo e patrimonialismo destroem possibilidades de vida coletiva digna - uma análise fundamental para compreender regiões do Brasil onde Estado abdica de seu papel regulatório, permitindo que poderes locais operem como senhores absolutos, perpetuando ciclos de violência que o direito formal não consegue quebrar por estar ausente ou cooptado.
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#06 | Don Segundo Sombra, de Ricardo Güiraldes
Güiraldes explora o conflito entre sistemas normativos tradicionais e imposição de legalidades estatais uniformes, mostrando Don Segundo como representante de uma forma legítima de organização social baseada em códigos de honra, lealdade e conhecimento da terra desenvolvidos historicamente pelas comunidades gaúchas. A obra questiona se a modernização jurídica sempre representa progresso ou se pode destruir formas funcionais de regulação social, revelando tensões fundamentais entre direito consuetudinário e direito estatal que atravessam a formação do Estado-nação argentino - uma reflexão crucial para compreender como o direito brasileiro lida com diversidade normativa de povos tradicionais, comunidades rurais e territórios onde lógicas jurídicas oficiais colidem com sabedorias locais consolidadas pela experiência histórica.
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#05 | O Século das Luzes, de Alejo Carpentier
Carpentier realiza uma crítica devastadora aos ideais iluministas mostrando como liberdade, igualdade e fraternidade se transformam em instrumentos de nova dominação quando aplicados em contextos coloniais, onde a Revolução Francesa no Caribe cria formas sofisticadas de exploração sob retórica emancipatória. A obra revela a contradição fundamental entre universalismo jurídico e realidades específicas estruturadas pela escravidão, questionando como direitos humanos podem mascarar opressões particulares e como movimentos de independência podem reproduzir estruturas coloniais com novos discursos - uma reflexão essencial para compreender tensões contemporâneas entre direitos universais e justiças locais, especialmente relevante para um sistema jurídico brasileiro ainda marcado por heranças coloniais não superadas.
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#04 | Santuário, de William Faulkner
Faulkner desnuda como sistemas de justiça podem funcionar não para proteger vítimas, mas para preservar hierarquias sociais, mostrando Temple Drake sofrendo violência sexual enquanto o aparato judiciário protege os poderosos e culpabiliza os vulneráveis através de mecanismos que mantêm aparência de legalidade. A obra revela como privilégios de classe, raça e gênero operam dentro de instituições jurídicas, determinando quem merece proteção legal e quem pode ser sacrificado para manter o status quo, expondo a falácia da neutralidade judicial e questionando como vieses sistêmicos transformam tribunais em instrumentos de perpetuação de opressões - uma crítica que ressoa diretamente com debates contemporâneos sobre acesso à justiça e aplicação seletiva da lei no sistema judiciário brasileiro.
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#03 | O Senhor Presidente, de Miguel Ángel Asturias
Asturias mapeia a psicologia do terror como método de governo, onde o presidente se mantém como figura mítica através da imprevisibilidade absoluta - qualquer pessoa pode desaparecer ou ser elevada sem lógica aparente, tornando o medo mais eficaz que qualquer código legal. A obra demonstra como ditaduras latino-americanas operaram através da arbitrariedade sistemática, onde a ausência de regras previsíveis se torna a única regra confiável, revelando que sistemas jurídicos podem funcionar não para garantir direitos, mas para institucionalizar o terror como política de Estado - uma reflexão crucial para compreender como democracias podem deteriorar quando instituições são instrumentalizadas para servir ao poder pessoal ao invés do bem comum.
O Entre Linhas e Leis é um podcast da Escola Superior de Advocacia da OAB SP, concebido pelo Coordenador Acadêmico, Erik Chiconelli Gomes, que propõe um encontro entre a literatura e o direito como espaços complementares de interpretação do mundo. A proposta é atravessar as fronteiras tradicionais da formação jurídica, convidando a escuta sensível, o pensamento complexo e o olhar atento às experiências humanas — sobretudo àquelas que revelam injustiças, disputas de poder e silenciamentos históricos.